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Permitir que igrejas interfiram no STF viola o princípio da laicidade

Nesta quarta-feira (04) a Comissão Especial da Câmara de Deputados criada para análise da PEC 99/2011 aprovou parecer favorável ao projeto que autoriza as igrejas a questionarem regras ou leis junto ao Supremo Tribunal Federal.

Se o projeto for aprovado no plenário da Câmara e depois no Senado as igrejas passam a ter direito a apresentarem Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) ou outros recursos como Ação Declaratória de constitucionalidade (ADC) e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) perante o STF.

A Relatora de Direitos Humanos e Estado Laico, Ivanilda Figueiredo, comenta a aprovação:

A aprovação da PEC 99/2011 na Comissão Especial já era esperada dada sua composição favorável à proposta. No entanto, não deixa de ser preocupante. Mostra a força dos setores conservadores que clamam pela laicidade como uma forma de justificar sua violação. Se o objetivo era discutir a legitimidade ativa para propor ações de controle de constitucionalidade perante a mais alta Corte do país, teríamos de rediscutir: 1. Se há necessidade de democratizar ainda mais o acesso ao Supremo nesse tipo de ação; 2. Caso exista, quais seriam os critérios para estabelecermos quais as novas entidades que deveriam ser legitimadas? Emendar a Constituição não é um procedimento que deva ser banalizado.

Dada a relevância que o controle de constitucionalidade adquiriu nos últimos anos, um debate sério sobre o assunto precisaria se focar em como aprimorar tal controle e quais os critérios para ampliarmos a legitimação de forma democrática e no interesse da afirmação constitucional. A mera designação de “entidades religiosas de âmbito nacional” diz muito pouco sobre que entidades seriam estas. Qual a justificação jurídica, calcada nos parâmetros do Estado Laico, que legitimaria, aqui e agora, a necessidade dessas entidades se tornarem legitimadas para iniciar tais processos? Pode-se argumentar que a Emenda também assumiu a possibilidade de entidade nacional representativa dos municípios proporem tais ações. Ainda assim, a dúvida permanece: porque estas entidades e não outras? Porque não entidades nacionais de defesa dos direitos humanos?

Preocupa o fato de que quando o Supremo exige pertinência temática para uma entidade de classe de professores, por exemplo, se pronunciar é fácil delimitar quais os temas de interesse dessas entidades. Já nas “entidades religiosas de âmbito nacional” como poderíamos delimitar a pertinência temática? Se olharmos o histórico recente de pronunciamento de entidades religiosas no STF podemos ver que a gama de tema é ampla: células tronco, antecipação terapêutica do parto dos fetos anencéfalos, união estável entre pessoas do mesmo sexo… Permitir que a Igreja tenha capacidade de provocar a mais alta Corte do país sobre tema como estes afigura como uma violação direta do princípio da laicidade. Nestes casos o que está em jogo não são temas religiosos, mas temas morais, debates sobre direitos fundamentais, sobre os quais as religiões podem ter opiniões ou dogmas, mas não interferência no âmbito jurídico sem que isso destrua o primado da laicidade.

>> Leia a íntegra do relatório aprovado aqui