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PFDC | Audiência pública pede políticas para prevenção e cuidado a crianças e mulheres afetadas pelo zika vírus

Diálogo foi promovido pelo MPF em Pernambuco e integra um conjunto de iniciativas conduzidas pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão para o enfrentamento ao problema 

Não haverá efetividade no enfrentamento do zika vírus enquanto as questões sociais do País não forem prioridade do poder público. Este foi um dos pontos centrais apontados pelos participantes da audiência pública “Políticas Públicas e Epidemia do Vírus Zika: informação, controle e assistência aos cidadãos”, realizada na sexta-feira (10/02) pelo Ministério Público Federal em Pernambuco (PE).

A atividade foi promovida pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em Pernambuco, em parceria com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), e contou com o apoio da ONU Mulheres, do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da Plataforma Dhesca Brasil.

A audiência no estado deu continuidade às ações de mobilização que vêm sendo conduzidas pela PFDC no que se refere aos impactos e à prevenção do zika vírus. “O objetivo central deste diálogo é conhecer as experiências desenvolvidas em Pernambuco para que as boas práticas possam ser replicadas e para que os desafios já identificados orientam uma atuação nacional”, destacou a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, durante a abertura do evento. A mesa também contou com a participação do procurador regional dos Direitos do Cidadão em Pernambuco, Alfredo Gonzaga, do procurador regional da República Marcos Costa, e da procuradora da República Natália Lourenço.

Durante o encontro, especialistas, gestores públicos, organizações da sociedade civil e mulheres afetadas pelo zika vírus apresentaram ao Ministério Público Federal informações sobre desafios e soluções para tornar mais efetivas as ações voltadas à prevenção do contágio e ao cuidado a crianças e mulheres atingidas pela epidemia. “A ideia é formar um elo com os gestores e dar efetividade às políticas públicas”, enfatizou o PRDC de Pernambuco.

O foco esteve na relação entre a epidemia e a falta de investimentos em políticas públicas de saúde, de educação, de renda e de direitos sexuais e reprodutivos. O modelo de financiamento público da saúde – que concentra as verbas na União – também foi apontado por gestores municipais e estaduais como um dos fatores para a atual desassistência vivenciada por pessoas afetadas pelo vírus.

Investimento em políticas públicas – Na ocasião, especialistas da Universidade Federal Rural de Pernambuco e da Fundação Oswaldo Cruz destacaram que as condições climáticas do Brasil – especialmente nas regiões Nordeste e Norte – constituem ambientes propícios para a reprodução do mosquito transmissor da doença. Não por acaso, afirmam, a velocidade de reprodução tem sido maior que a de combate ao vetor. O problema passa, portanto, por uma conjuntura maior que o simples extermínio do mosquito. É um desafio que envolve, obrigatoriamente, a oferta de políticas públicas de educação, emprego/renda, moradia, saúde e saneamento, pontuaram.

O argumento foi defendido por Verônica Ferreira, representante da SOS Corpo – Instituto Feminista para Democracia: “a epidemia é reflexo das precárias condições sanitárias às quais a população é exposta. A situação acaba por evidenciar um descuido por parte do poder público em relação às comunidades mais pobres, que são as mais atingidas pelo problema”, ressaltou.

Helena Capela, promotora de Justiça de Defesa da Saúde do Ministério Público de Pernambuco, explicou que a atuação do MP na região tem sido no sentido de conhecer a realidade dos territórios e cobrar dos gestores públicos comprometimento no combate ao problema – que passa tanto pela prevenção quanto pelo diagnóstico e assistência a partir das notificações.

A procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, criticou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que limita os gastos públicos pelos próximos 20 anos em políticas sociais, afirmando que essa falta de investimentos afeta diretamente na garantia de direitos básicos, como saúde, educação, cultura, lazer. A PFDC também foi crítica quanto ao comprometimento da laicidade do Estado, que vem impedindo o amplo diálogo nas escolas sobre questões de gênero e de sexualidade, gravidez precoce e outros temas relacionados – o que limita o desenvolvimento do senso crítico de adolescentes durante etapa fundamental da vida escolar.

Cotidiano – Em Pernambuco, mães e familiares afetados permanentemente pelo zika vírus têm se unido na busca pelo direito à assistência e a políticas governamentais. Duas dessas organizações – a União das Mães de Anjos (UMA) e a Aliança de Mães e Famílias Raras (AMAR) – participaram da audiência pública e emocionaram os demais participantes com relatos sobre a realidade de quem foi acometida pela epidemia. Acompanhadas de seus filhos e filhas, as críticas mais severas foram em relação ao preconceito, à iniquidade do acesso às políticas sociais, ao atendimento insuficiente e à concentração da rede de apoio na capital, deixando os interiores do País descobertos de assistência.

A situação também foi apontada pela organização Uiala Mukaji – Sociedade de Mulheres Negras de Pernambuco, que realizou um estudo sobre o zika vírus em uma comunidade afetada pelo problema. Das 165 mulheres em idade fértil entrevistadas, apenas 12 possuíam ensino superior completo. Todas tinham alguma conexão com a tríplice epidemia – seja porque elas próprias foram afetadas ou porque conheciam alguém impactado pelo problema.

Outra informação alarmante foi a falta de um diagnóstico oficial por parte da rede de serviços de saúde, o que acabou por gerar casos de automedicação. O levantamento reafirmou problemas como demora no atendimento, falta de médico nas unidades de saúde e descaso dos profissionais para ouvir as queixas e oferecer mais informações. Sobre isso, outro ponto recorrente nas entrevistas foi a constatação de que os meios de comunicação têm informado mais que os próprios serviços de saúde. Vera acredita no empoderamento para mudar a realidade e defende a ampliação de políticas públicas e o combate ao racismo como pontos fundamentais para reduzir as iniquidades.

Encaminhamentos – Ao final da audiência pública, ficou definida uma série de encaminhamentos. Diante da riqueza dos depoimentos das mães, haverá a sistematização das falas com o objetivo de sensibilizar o Poder Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF). Outro encaminhamento foi o compromisso de acompanhar o julgamento de Arguição de Descumprimento Preceito Fundamental (ADPF) no STF que visa garantir diversos direitos e medidas assistenciais discutidas durante o evento, entre as quais se destaca a concessão do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC) nos casos diagnosticados de microcefalia.

Também ficou estabelecido o ajuizamento de ações judiciais em âmbito local para a garantia desse benefício previdenciário, como forma de indenização pela omissão do Estado nas medidas de prevenção e controle das epidemias associadas ao Aedes Aegypti e que contemple as famílias afetadas de forma permanente – independentemente do atual critério de renda familiar fixado para o benefício e que o limita a rendas inferiores ou iguais a¼ do salário mínimo per capita.

O combate ao preconceito também figura entre as estratégias futuras, com a criação de campanhas de conscientização sobre a situação de crianças diagnosticadas com microcefalia. Quanto ao cuidado e à assistência, serão monitorados os processos e cobrada a efetividade da distribuição dos repelentes nos municípios, assim como o acompanhamento da prestação de serviços assistenciais às famílias, como consultas, exames, remédios, entre outros.

No âmbito da gestão, algumas decisões também foram tomadas. Entre elas, acompanhar o cumprimento da lei brasileira que trata da inclusão, por parte de creches e escolas, dessas crianças. Além disso, foram propostas reuniões com os gestores de saúde para verificar a entrega das cestas de remédios básicos às crianças e para tratar da incorporação de novas tecnologias às políticas públicas de saúde.

Por fim, definiu-se como ação emergencial de assistência uma articulação com a Caixa Econômica Federal (CEF) para a inclusão e a seleção das famílias com crianças com microcefalia no Programa Minha Casa Minha Vida. Esta ação faz parte a uma estratégia mais ampla e fundamental para possibilitar qualidade de vida às famílias atingidas pela microcefalia.