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Investigação em Goiás denuncia situação de acampados e assentados

Missão da relatoria especial da Plataforma Dhesca sobre a questão agrária encontrou graves violações aos direitos humanos de camponeses 

Paralelamente ao desmonte das políticas agrárias e ao crescimento vertiginoso da violência no campo com base na chamada “política de austeridade”, está em curso uma série de medidas legislativas que visam promover ainda mais os interesses dos grandes latifundiários e do agronegócio em detrimento da população mais pobre e vulnerada – como a edição da Medida Provisória 759, em dezembro de 2016.

A partir dessas denúncias, feitas de forma recorrente pelos movimentos sociais do campo, a Missão Especial da Plataforma Dhesca que investiga os impactos da política econômica sobre os direitos humanos considerou imprescindível a realização de atividades específicas para averiguar in loco as atuais condições de vida de camponeses e agricultores familiares. A partir de uma reunião de trabalho realizada em Goiânia no início de agosto, com lideranças da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Federação Estadual de Trabalhadores na Agricultura (Fetaeg), da Federação Estadual de Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf-GO), da Federação Estadual de Trabalhadores Rurais (Fetaer) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foi definida uma agenda de visitas a acampamentos e assentamentos no interior do estado. Goiás foi apontado para o trabalho da missão agrária da Relatoria Especial por apresentar situações de sérias violações de direitos humanos no campo.

Na reunião, foram estabelecidos os seguintes critérios para definir os locais da missão: situação de (eminente) conflito envolvendo famílias sem terra; famílias acampadas (beira de estradas) e projetos de assentamentos que estão na iminência de ser titulados, mas não têm condições de se viabilizar porque não há aporte financeiro do Estado.

Entre os dias 18 e 21 de agosto, o relator de direitos humanos da Plataforma Dhesca Sérgio Sauer visitou os municípios de Santa Helena (ocupação do MST), Aurilândia (acampamento Corrente, liderado pela Fetraf) e Iporá (Assentamento Pe. Ildo, também liderado pela Fetraf). Participou, ainda, das atividades de celebração na ocupação em Santa Helena. Ficou definida também uma missão no município de Niquelândia (norte do estado) para acompanhar os problemas do pré-assentamento da Fazenda Acaba Vida, liderado pela Fetaeg.

“Na reunião de trabalho foram apontados muitos problemas, particularmente sobre a atuação – quando não a omissão ou descaso – do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), portanto, da União ou Estado. Além do histórico descaso, chamou a atenção algumas situações de uma atuação criminalizadora de órgãos como, por exemplo, o Ministério Público, que convocou audiências com entidades para que explicassem a existência de acampamentos em Goiás, transformando a luta em violações e em processos de criminalização da luta pela terra”, afirma Sauer.

Entre as situações de violação de direitos humanos encontradas durante as visitas, estão as condições precárias das famílias acampadas, muitas vezes sem água potável, energia elétrica ou espaço para pequenos cultivos – tampouco trabalho em locais próximos ou escola para as crianças. Em muitos locais, a ameaça de despejo é permanente, inclusive com a utilização de liminares.

Já em assentamentosapesar de oficializadas, muitas das famílias que vivem nas áreas não receberam praticamente nenhum crédito. Assim, a maioria das casas nos lotes ainda são barracos ou de construções rudimentares, e o acesso costuma ser precário.

Missões da Relatoria Especial

Desde agosto deste ano, relatores especiais de direitos humanos, vinculados à Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil, realizam visitas a comunidades para verificar o impacto da política econômica de austeridade na vida da população.

Além da questão agrária, outros quatro temas serão abordados em missões realizadas pela Plataforma Dhesca e parceiros: a violência nas favelas cariocas; a população em situação de rua e desempregada em São Paulo; a situação de abandono e criminalização enfrentada pelos povos indígenas de todo o país e o desmonte da política nacional de saúde, de saneamento e de assistência social em Pernambuco. Serão coletados depoimentos, realizadas audiências públicas e ouvidos gestores públicos, especialistas, integrantes do Sistema de Justiça e movimentos sociais.

As informações vão integrar um Relatório Nacional, composto também por análises de indicadores sociais e orçamentários, discussões jurídicas e econômicas e por recomendações ao poder público. O documento será apresentado até outubro ao Senado Federal e às instâncias de direitos humanos da Organização dos Estados Americanos e das Nações Unidas.

A Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil é uma rede formada por 40 organizações e articulações da sociedade civil, que desenvolve ações de promoção e defesa dos direitos humanos, bem como na reparação de violações de direitos. Foi responsável pelo Brasil ter sido o primeiro país do mundo a criar, em 2002, Relatorias Nacionais de Direitos Humanos.