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Plataforma Dhesca lança relatório sobre violações de direitos humanos, ambientais e territoriais na região do Complexo SUAPE

Missão realizada pela Plataforma identificou que empresas operam com licenças ambientais irregulares, colocam em risco o ecossistema local e ameaçam a vida e a subsistência da população de Cabo Santo Agostinho e Ipojuca.

Missão realizada pela Plataforma identificou que empresas operam com licenças ambientais irregulares, colocam em risco o ecossistema local e ameaçam a vida e a subsistência da população de Cabo Santo Agostinho e Ipojuca.


A Plataforma de Direitos Humanos lança, no dia 06 de dezembro, em Recife, o
Relatório Complexos Industriais e Violações de Direitos: o Caso de SUAPE – Complexo Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros com um retrato sobre as violações de direitos humanos e ambientais decorrentes da instalação e da operação do megaempreendimento no litoral sul de Pernambuco, e com recomendações a órgãos públicos.

Realizada em parceria com Fórum Suape*, Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec), Centro das Mulheres do Cabo, com o portal Marco Zero Conteúdo e o Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajop), a missão da Dhesca Brasil aconteceu entre os dias 07 e 11 de maio de 2018.

Em visita a campo, os relatores identificaram que a convivência entre as 6.800 famílias com as cerca de 200 empresas presentes no complexo, em uma área de 135 quilômetros quadrados, ou 13.500 hectares, é tensa em diversos aspectos. A falta de participação popular nos processos de decisão sobre os bens de uso comum, fundamentais para sua subsistência; bem como a degradação dos ecossistemas presentes na região – contaminação de água, danos ao habitat de espécies protegidas, por exemplo – somadas ao crescimento da violência urbana, ocupações irregulares e atuação de um grupo de vigilância local formado por ex-policiais e seguranças privados constituem o cenário de violações aos direitos dos moradores de Cabo Santo Agostinho e Ipojuca que levaram a missão da Plataforma de Dhesca até a região.

>>> Confira o relatório completo aqui

Licenças irregulares, destruição de imóveis e aumento da violência urbana
A partir de entrevistas com moradores, lideranças e representantes da empresa Suape, bem como a análise de documentos oficiais, a relatoria identificou que organizações como a termelétrica Suape Energia, por exemplo, operam com irregularidades. Os estudos de impacto ambiental são inconsistentes e incompletos por não darem conta de todos os danos causados pela operação, assim como as licenças ambientais obtidas vieram de um escritório de advocacia, o que é vedado por lei. Além disso, remoções forçadas são outro ponto identificado.

Neste ponto, Guilherme Zagallo relata sobre o desafio de se acessar esse tipo de documentação. “Há uma relevante fragmentação das informações acerca dos licenciamentos, além de uma grande dificuldade para acessar as informações sobre os procedimentos de licenciamento ambiental das empresas que operam no Complexo Industrial Portuário.” afirma.

Desde 2009, a destruição de imóveis e plantações, e roubo de material de trabalho de agricultores e pescadores por parte de posseiros e supostos funcionários do Complexo é realidade, o que impossibilita a subsistência destes moradores. Entre 2009 e 2016, foram emitidos cerca de 100 boletins de ocorrência denunciando esse tipo de ação.

Quanto à violência urbana, o relatório indica que Cabo Santo Agostinho e Ipojuca superam índices nacionais: o número de vítimas de crimes violentos letais intencionais cresceu 60% de 2012 a 2017 na região. No ano passado, a taxa de estupros foi de 38,5 e 36,1 por 100 mil habitantes em Ipojuca e Cabo, respectivamente; enquanto a nacional foi de 24.

Ainda que a economia pernambucana receba maiores e mais frequentes investimentos, nos dias de hoje, cerca de 80% da população do estado vivem com uma renda menor ou igual a dois salários mínimos. Os municípios que recebem investimentos são as localidades mais prejudicadas, como é o caso de Cabo e Ipojuca. “Na observação de campo, foi possível identificar a centralidade do racismo ambiental que acontece na região do Complexo Suape. Como a maioria da população afetada é negra e composta, em boa parte, de mulheres, se trata de um processo racista atravessado por desigualdades e violências históricas. A população branca não é afetada.” constata Cristiane Faustino, relatora da missão.

Monitorar de forma permanente os indicadores ambientais, coibir definitivamente os abusos cometidos por forças com poder de polícia na região, concluir o reassentamento das famílias, investigar denúncias de violência física e psicológica estão entre as 50 recomendações do Relatório às esferas do Executivo e Legislativo e a órgãos como Ministérios Públicos, Superintendência de Patrimônio da União em Pernambuco e Ordem dos Advogados do Brasil.

“A publicação poderá ser importante instrumento de luta e denúncia das comunidades afetadas pelo Complexo e subsidiar denúncias internacionais.” conta Melisandra Trentin, integrante da coordenação da Plataforma Dhesca Brasil.

O Relatório Complexos Industriais e Violações de Direitos: o Caso de SUAPE será lançado nos dias 06 e 10 de dezembro, respectivamente, na Defensoria Pública da União em Recife (PE) e, na audiência pública do Conselho Nacional dos Direitos Humanos em Brasília (DF). A publicação será, ainda, referência na audiência com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre a situação de defensoras e defensores ameaçados pela atividade empresarial no próximo dia 05.  

Complexo Industrial e população de Cabo Santo Agostinho e Ipojuca
O Complexo Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros (CIPS), composto pela empresa pública Suape e outras corporações privadas, completa 40 anos em 2018. E, apesar de inaugurado na década de 1970, os investimentos significativos chegaram a partir dos anos 2000, ocasião em que houve diversas apropriações de terras. Entre 2007 e 2013, os municípios de Cabo Santo Agostinho e Ipojuca atraíram mais de R$ 10 bilhões em investimentos.

No ano de 2008, os empregos gerados pelo Porto ultrapassavam a marca de 46 mil em todo o estado de Pernambuco. No ano passado, o faturamento do Complexo foi de R$ 195 milhões, segundo o relatório. Apesar disso, os dados apontam que 36,4% da população de Ipojuca tinham emprego, em 2016, e apenas 19% dos moradores de Cabo Santo Agostinho trabalhavam. O Censo 2010 indica que, para quase metade da população (44%), a renda mensal individual era igual ou menor a um salário mínimo.

Irregularidades nas licenças ambientais
A missão constatou que a Zona Industrial, quando em fase de instalação no ano de 1975, operava sem licenciamento ambiental. A investigação aponta que nunca houve um estudo aprofundado sobre os riscos ambientais relacionados a instalação e operação do Complexo.

Posterior a esse momento, foram realizados estudos de impacto, porém incompletos e irregulares. O documento sobre a ampliação e modernização do porto do ano de 2000, foi elaborado, entre outros casos, por Pires Advogados & Consultores, um escritório de advocacia, o que é vedado Lei nº 8.906/94. Além disso, o estudo não apresenta dados sobre emissão de poluentes, nem avaliação de impacto por ruído.

Outro caso analisado pela relatoria é o da empresa Suape Energia, cuja Licença de Operação foi ilegalmente renovada pela Agência Estadual do Meio Ambiente (CPRH). Como a capacidade da usina termelétrica é superior a 300 MW, somente um órgão federal poderia licenciar a empresa ao contrário do que foi constatado. Não houve qualquer detalhamento da emissão de ruídos e de efluentes produzidos pela empresa, que se licenciou com um Relatório Ambiental Simplificado, cujo uso é permitido apenas para empreendimentos de pequeno potencial de impacto, o que não é o caso da Suape Energia, que tem capacidade de 381,2MW.

Há ainda outros casos semelhantes. O Relatório analisou 10 empresas que operam de forma irregular no Complexo, entre refinarias, termelétricas, estaleiros e indústria têxtil.

Aumento nos índices de violência urbana
Os anos de 2000 e 2010 foram marcantes pelos investimentos públicos e privados que chegaram ao Complexo, com a expansão do porto para entrada de navios maiores. Como consequência desse aumento, houve um crescimento de migrantes à procura do trabalho juntamente ao rápido crescimento das cidades de Cabo e de Ipojuca.

As mudanças sociais nos municípios não foram acompanhadas de planejamento o que constituiu um cenário  de crescimento da violência urbana: mortes violentas, estupros e tráfico de drogas. O número total de vítimas de crimes violentos letais intencionais na região, em 2012, era de 213 e, em 2017, foi para 337 pessoas mortas. Um salto de quase 60%.

O relatório aponta que, com o aumento da circulação de dinheiro e de pessoas no perímetro, o tráfico de drogas em Suape cresceu. Entre 2010 e 2014, Cabo e Ipojuca apresentaram índices de apreensão de drogas muito acima da média pernambucana. Enquanto a interceptação de cocaína aumentou 193,79% no estado, na área de Suape, o avanço foi de 3.251%.

A violência sexual na região também bate recordes. No ano de 2017, a taxa nacional de estupros por 100 mil habitantes era de 24, um número considerado preocupante. Em Ipojuca, foram registrados 38,5 casos e, em Cabo Santo Agostinho, 36,1 estupros por cem mil habitantes. Crianças e adolescentes também figuram no cenário de violações de direitos humanos da região:

Inadimplência em taxas de ocupação das empresas
O CIPS é planejado para atrair indústrias e, para isso, conta com altos subsídios estatais. A aquisição de terras aconteceu, em parte, com concessões públicas, por meio de contratos de compra e venda, mas, principalmente, por meio de decretos estaduais. E, em outra parte, as terras foram cedidas pela Marinha em caráter de ocupação e aforamento. Há 32 imóveis públicos federais vinculados ao CNPJ da empresa Suape, que correspondem a uma área de quase 2 mil hectares.

Ao contrário do que aconteceu com as empresas, segundo o Fórum Suape, as comunidades que fizeram requerimento para regularizar sua ocupação, até hoje, não tiveram nenhum retorno da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), responsável pelas providências a esse respeito. “Como serve tanto à estratégia econômica do Estado quanto aos lucros das empresas privadas, a maximização da produtividade é um projeto de ambos, ainda que em prejuízo das populações impactadas.”, indica o relatório.

Como se não bastasse a parcialidade para avaliar os requerimentos de ocupação, uma certidão da SPU apresenta a inadimplência da empresa Suape em relação às taxas de ocupação e aforamento. São R$ 8.261.907,83 em débitos, que já ultrapassam três anos consecutivos para alguns imóveis, o que ensejaria o cancelamento da inscrição da ocupação em nome de Suape, caso a lei fosse cumprida.

 

*Fórum Suape – Espaço Socioambiental é uma rede de articulação e mobilização de ativistas, lideranças comunitárias e organizações não-governamentais da região que atua contra exclusão social, violência e degradação ambiental provocados pelo CIPS