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Cimi | Em Fórum da ONU indígenas denunciam violências e alertam para risco de retrocessos com Temer

Mais de mil indígenas de todo mundo estão presentes na 15a. Edição do Fórum Permanente da Organização das nações Unidas (ONU) sobre a questão indígena (UNPFII), que teve início dia 9 e se encerra no próximo dia 20. Realizado em Nova Iorque (EUA), o encontro tem como centro a questão da paz e dos conflitos relacionados a terra, território e recursos dos povos indígenas, seus direitos e identidade. Elizeu Lopes Guarani e Kaiowá, que discursou nesta sexta-feira, 13, e membros do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) participam do encontro.

Paralelo ao Fórum, o Senado Federal afastou Dilma Rousseff da Presidência e desde quinta-feira, 12, o vice, Michel Temer, passou a ser o presidente em exercício até que Dilma seja novamente julgada pelos senadores, num prazo de 180 dias. Temer assume a Presidência comprometido com os parlamentares ruralistas do Congresso Nacional a suspender atos do governo Dilma de demarcação das terras indígenas. Em Brasília, durante o Acampamento Terra Livre (ATL), que ocorreu entre os últimos dias 10 e 13, povos indígenas já iniciaram mobilizações contra essa movimentação do novo governo.

Em manifesto divulgado ao fim do ATL, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) destaca que “a preocupação aumenta diante da instalação de um novo governo que a maioria dos setores sociais e populares, como nós, considera ilegítimo e cuja composição é notadamente conservadora e reacionária, além de ser ajustada aos interesses privados que assaltaram o Estado e que ameaçam regredir os direitos sociais”. Antes da decisão de afastamento da presidente Dilma Rousseff, nesta semana, o governo publicou cinco portarias declaratórias e quatro relatórios de identificação de terras indígenas, além de homologações na semana anterior.

Nesta 15a. Edição do Fórum Permanente da ONU sobre a questão indígena, os indígenas e indigenistas do Brasil denunciarão os acordos prévios do presidente em exercício com a pauta anti-indígena, somando-se aos fatos correntes no que tange as violências sofridas pelos povos indígenas. Conforme dados prévios do Relatório de Violências Contra os Povos Indígenas 2015, a ser publicado nos próximos meses pelo Cimi, entre 28 de março e 28 de abril de 2015 foram cinco casos ante 12 episódios de violências e criminalizações contra lideranças e aldeias indígenas no mesmo período deste ano. O missionário do Cimi Flávio Vicente Machado se pronunciará ao Fórum da ONU nesta segunda-feira, 16.

O representante do Cimi sublinhará as ameaças sofridas pelos povos indígenas em situação de isolamento voluntário, a falta da garantia de direitos e o Marco temporal. Essa tese propõe interpretação controversa da Constituição Federal ao definir que só poderiam ser consideradas terras tradicionais aquelas que estivessem sob posse dos indígenas na data de 5 de outubro de 1988; na prática, um instrumento para sublimar o direito à terra.

A conjuntura preocupa os povos indígenas. As sinalizações de Temer contrárias aos direitos de populações que mais precisam das políticas públicas demonstram a efetividade do estado de mobilização definido pela plenária do Acampamento Terra Livre (ATL). Uma das primeiras medidas provisórias de Temer extinguiu, de uma só vez, as secretarias de Igualdade Racial e Gênero, Mulheres e Direitos Humanos – essa última responsável pelo Programa Nacional de Proteção de Defensores de Direitos Humanos que acompanha 111 lideranças indígenas ameaçadas de morte de um total de 415 defensores protegidos pelo Estado brasileiro.

Entre os indígenas integrantes do Programa de Proteção está Elizeu Lopes Guarani e Kaiowá. Em visita ao Brasil na primeira quinzena de março deste ano, a relatora especial da ONU sobre direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, visitou o tekoha – lugar onde se é – Kurusu Ambá, onde vive Elizeu. Em relatório parcial divulgado durante entrevista coletiva na Capital Federal, no dia 18 de março, ao término da visita, Victoria (na foto, ao lado do cacique Babau Tupinambá)  afirmou ter constatado que nenhuma das recomendações feitas pelo seu antecessor, James Anaya, em 2008, foram implementadas pelo governo brasileiro – demarcações, investigações de violências, garantia de direitos.

Discurso de Elizeu Guarani e Kaiowá

“Meu nome é Elizeu Lopes sou Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul do Estado Brasil. Venho em nome do meu povo, o segundo maior do Brasil.  E dizer que estou aqui hoje, com autorização judicial, meus companheiros e eu somos criminalizados pela luta por nossos territórios”. Assim abriu seu discurso, nessa sexta-feira, 13, a liderança Guarani e Kaiowá (na foto, abaixo). E seguiu:

“Venho do tekoha Kurusu Ambá, na fronteira com Paraguai, que neste ano fazendeiros nos atacaram e incendiaram várias de nossas casas e tenho viajado há vários espaços da ONU, seja aqui em Nova Iorque, seja em Genebra.

Quero por isso, dirigir um especial agradecimento a Relatora Especial, Sra. Vitória pela visita este ano ao Brasil e em especial a minha aldeia de Kurusu Ambá, onde ela pode ver e sentir a dor que passamos.

Como conselheiro da Grande Assembleia Aty Guasu venho denunciar, mais uma vez, a situação que nossos anciões Nhanderu, chamam de Grande Morte, Genocídio.

Muito triste que desde a minha última vinda aqui, mais uma liderança Kaiowá foi assassinada devido a nossa luta por nossos territórios tradicionais, seu nome é Simeão Vilhalva, e até agora ninguém foi preso. A fazendeira anda à luz do dia, mostrando armas para nossos filhos, e nada foi feito. Nossas lideranças estão ameaçadas e desprotegidas. Sofrem intimidações por parte da Polícia e são criminalizadas em processos judiciais.

Os suicídios de nossos jovens que somam 730 nos últimos 14 anos é para nós um massacre, um extermínio disfarçado e negado pelas autoridades.

Por termos sido expulsos de nossos territórios e por isso sofrermos perseguição, ameaças, discriminação venho mais uma vez a este fórum pedir que cobre o Governo Brasileiro da demarcação de nossos territórios.

Como Membro titular do Conselho Nacional de Política Indigenista, quero dizer que apesar de criado e ter sido um avanço, o Conselho não seguiu a decisão tomada na primeira Conferência Nacional de Política Indigenista, de que este seja deliberativo e não apenas consultivo.
Como Membro do Conselho Continental da Nação Guarani, organização que reúne os Povos Guarani, presente na Bolívia, Paraguay, Argentina e Brasil. Quero dizer que a situação de violência é a mesma que no Brasil. Não temos direito de ir e vir e somos tratados como estrangeiros em nosso próprio território. Grandes empresas violam nossos direitos e os governos nacionais não cumprem com suas constituições a respeito da garantia e defesa de nossos direitos.

No Paraguay, fazendeiros brasileiros estão massacrando comunidades guarani, inclusive com queima de escolas e assassinatos. Na Argentina, o preconceito, a desassistência e na Bolívia a ação de grandes petrolíferas. Todas estas situações estão ligadas aos interesses sobre nossos territórios.

Por isso, quero pedir a este Fórum um Estudo Sobre a situação do Povo Guarani no Continente, junto somos mais de 250 mil pessoas presente massivamente em 4 nações e familiarmente e tantos outros.

Não queremos mais que os sangues de nossas famílias reguem as plantações de soja, cana ou sirva para o gado. Não vamos desistir de nossos territórios! Por isso, quero dizer que nossa Grande Assembleia Aty Guasu, encaminhará denúncia formal a Comissão Interamericana em face do Brasil, por não cumprimento de nossos direitos constitucionais e pelo Etnocídio permanente em que vive meu povo.

O Estado do Brasil precisa ser forçado a cumprir com sua constituição, nos proteger e demarcar nossos territórios. E este fórum precisa nos ajudar, sob pena de mais sangue indígena ser derramado Guarani!

Os assassinos dos Povos indígenas, sempre terão suas mãos sujas com nosso sangue, não deixaremos que vivam impunes e saiam vitoriosos!

Obrigado Sr. Presidente”.

Terra e Paz

Durante a abertura do Fórum, o novo presidente da organização, Álvaro Pop – indígena maya q’eqchi da Guatemala, afirmou que a globalização acelerada e a busca por novas terras para se explorar recursos naturais tem potencializado os conflitos nos territórios dos povos indígenas.

“Os povos indígenas estão experimentando cada vez mais conflitos armados e a militarização de suas terras. Em quase todas as regiões do mundo, os povos indígenas estão sendo desterritorializados e severamente afetados pela violência e pelo militarismo. Em alguns países, os povos indígenas estão se convertendo em vítimas da violência, dos massacres, inclusive o genocídio, devido às suas identidades distintas”, disse Pop em entrevista.

Ele sublinhou que não é possível haver paz nesses processos, a menos que se permita a participação das comunidades indígenas, em condição de igualdade, na resolução das disputas.

Por outro lado, o novo presidente do fórum convocou os países a passar “da retórica à prática”, e implementar os compromissos assumidos na Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotados pela Assembleia Geral em 2007, e que faz referência direta ao direito à terra e à autodeterminação.

O presidente também afirmou que um dos alvos do encontro é chamar atenção aos problemas que as populações enfrentam nos conflitos – e a importante contribuição de suas tradições e práticas podem fazer na prevenção de conflitos e na busca pela paz.

O Fórum permanente também trata de questões relacionadas aos jovens indígenas, à saúde, educação, a língua, os direitos humanos, o desenvolvimento econômico e social, o meio ambiente e a cultura, como seguimento da Conferência Mundial de 2014 sobre os povos indígenas. A Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, e sua relação com os povos indígenas, também ocupa um lugar destacado nas discussões do evento.

Fonte: Cimi