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Relatores questionam autoridades paulistas quanto ao despejo e à remoção das comunidades Mauá e 14 Bis

Os relatores especiais da Plataforma Dhesca que investigam impactos da política de austeridade econômica sobre o direito humano à habitação, Denise Carreira e Leandro Gosdorf, enviaram na última semana ofícios a autoridades de São Paulo em que solicitam a suspensão de ações de despejo das famílias que residem na Ocupação Mauá e na Praça 14 Bis – ambas localizadas na capital paulista – e a retomada imediata dos processos de desapropriação e reassentamento para as respectivas comunidades.

Ocupação Mauá

O primeiro documento (encaminhado pela rede de direitos humanos ao presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, ao Procurador Geral do Ministério Público Estadual, Gianpaolo Smanio, a secretários municipais e outras autoridades) apresenta a base legal para a solicitação de interrupção do despejo e a retomada da desapropriação do prédio onde vivem as famílias, o edifício Mauá.

O ofício informa ainda que, diante das denúncias recebidas durante a missão da relatoria sobre violações de direitos humanos de população em situação de rua e de famílias de baixa renda e em situação de vulnerabilidade social ameaçadas de despejo, será publicado um relatório contendo o quadro das violações e recomendações ao poder público, a ser apresentado em audiência pública ao Senado Federal e divulgado nacionalmente e internacionalmente na primeira semana de outubro. “O documento também será objeto de audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA – Organização dos Estados Americanos e encaminhado às instâncias de direitos humanos da ONU”, afirma o texto.

Histórico

No dia 25 de março de 2007, o imóvel localizado no bairro da Luz, no centro, foi ocupado por dezenas de famílias sem teto. O imóvel abandonado há 17 anos serve hoje de moradia para 237 famílias, totalizando cerca de mil moradores. No momento da ocupação, o prédio encontrava-se em completo abandono, e a dívida de IPTU dos proprietários estava em torno de R$2 milhões.

Depois de ampla mobilização e reivindicação por parte das famílias e dos movimentos que apoiam a Ocupação, em 23 de julho de 2013 a Prefeitura Municipal de São Paulo publicou decreto de interesse social do imóvel.

No dia 30 de abril de 2014 foi feito o depósito de R$ 11 milhões, correspondentes à oferta de compra do edifício. Na ocasião, arquitetos foram contratados para realizar um estudo de viabilidade de transformação da ocupação em projeto de habitação social. O estudo concluiu que a Ocupação Mauá é passível de enquadramento nos programas destinados à produção de habitação de interesse social para a população de baixa renda.

O estudo foi encaminhado à Companhia de Desenvolvimento Habitacional de Urbano (CDHU) e à Caixa Econômica Federal. Ambas as instituições analisaram o estudo, o que resultou na inclusão da Ocupação Mauá nos programas habitacionais do governo do Estado de São Paulo e do governo federal.

No entanto, em junho de 2017, a Ocupação Mauá recebeu uma ordem de reintegração de posse, estipulando 60 dias para a saída dos seus mais de mil moradores.

14 Bis

Frente à ameaça de despejo de famílias moradoras da Praça 14 Bis, também no centro de São Paulo, e motivados pelas mesmas denúncias acessadas quando da realização da missão na capital paulista, os relatores da Plataforma Dhesca enviaram ofício ao prefeito de São Paulo, João Dória, e a outras autoridades, para solicitar em caráter de urgência a interrupção imediata da ação de despejo prevista para a segunda quinzena de setembro e a retomada do processo de reassentamento com participação da comunidade.

A base legal para a solicitação e o informe sobre a produção de relatório a ser divulgado nacional e internacionalmente também constam do documento.

Histórico

No dia 2 de janeiro de 2017, a Prefeitura Municipal de São Paulo inaugurou na praça 14 Bis o seu novo programa de Zeladoria Urbana, denominado Cidade Linda. Nesse contexto, as pessoas em situação de rua do local foram intimadas a se mudarem para debaixo do viaduto Doutor Plínio de Queiroz, no centro da cidade, com a promessa de que em até 90 dias seriam transferidos para abrigos municipais.

Nove meses se passaram e a condição de vida dos moradores do viaduto se deteriora dia após dia. Os banheiros químicos foram retirados e a luz cortada. No dia 27 de julho, a Ocupação 14 Bis acordou com um grande contingente de trabalhadores da limpeza, Guarda Civil Metropolitana e Polícia Militar à sua porta, numa ameaça de reintegração de posse. “Até o momento nenhuma alternativa foi apresentada pela gestão pública. Pelo contrário, moradores da ocupação denunciaram a constante ameaça de despejo, confirmada nos últimos dias para ocorrer ainda no mês de setembro”, denuncia o ofício.

Missões da Relatoria Especial

Desde agosto deste ano, relatores especiais de direitos humanos, vinculados à Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil, realizam visitas a comunidades para verificar o impacto da política econômica de austeridade na vida da população.

Além da questão da moradia, outros quatro temas foram abordados em missões realizadas pela Plataforma Dhesca e parceiros: a violência nas favelas cariocas; a situação de abandono e criminalização enfrentada pelos povos indígenas de todo o país; a realidade de acampados e assentados da reforma agrária em Goiás e o desmonte da política nacional de saúde, de saneamento e de assistência social em Pernambuco. Foram coletados depoimentos, realizadas audiências públicas e ouvidos gestores públicos, especialistas, integrantes do Sistema de Justiça e movimentos sociais.

As informações vão integrar um Relatório Nacional, composto também por análises de indicadores sociais e orçamentários, discussões jurídicas e econômicas e por recomendações ao poder público. O documento será apresentado até outubro ao Senado Federal e às instâncias de direitos humanos da Organização dos Estados Americanos e das Nações Unidas.

A Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil é uma rede formada por 40 organizações e articulações da sociedade civil, que desenvolve ações de promoção e defesa dos direitos humanos, bem como na reparação de violações de direitos. Foi responsável pelo Brasil ter sido o primeiro país do mundo a criar, em 2002, Relatorias Nacionais de Direitos Humanos.