Notícias

Violações de direitos humanos verificadas em Altamira (PA) serão tema de denúncia em relatório da Plataforma Dhesca Brasil

Visita de Relatores Nacionais de Direitos Humanos vira objeto de relatório que será encaminhado a órgãos públicos, e organismos nacionais e internacionais de direitos humanos.

Relatores em diálogo com moradores do Jd. Independente I – Bairro da Lagoa em Altamira (PA). Foto: Bob Moralles

De 17 a 19 de outubro, Relatores Nacionais de Direitos Humanos da Plataforma Dhesca Brasil estiveram no município de Altamira (PA) para realizar a Missão Emergencial sobre Genocídio Negro e Racismo nas Unidades Prisionais e RUC’s. A Relatoria apurou uma série de violações decorrentes da instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

Novas dinâmicas urbanas e criminais se desenharam no município com consequências diretas à população. Desde a instalação dos Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUCs) marcados pela extrema precariedade nas condições de vida e existência das famílias desalojadas por Belo Monte até uma nova configuração da violência no município, definida pela disputa de poder entre grupos faccionados e pelo fenômeno  de encarceramento em massa da população negra.

De acordo com Udinaldo Junior, Relator Nacional de Direitos Humanos, a Missão Emergencial possibilitou constatar como o racismo opera em Altamira. “Onde as instituições são precárias, quando não inexistentes, e o Estado é omisso, o racismo encontra espaço para exercer sua crueldade. O percurso da construção de Belo Monte até o Massacre de 29 de julho legou uma história de horror para a cidade de Altamira.” afirma.

Luiz Fabio Paiva, também Relator Nacional de Direitos Humanos, ressalta as consequências do racismo ambiental. “A missão da Plataforma Dhesca Brasil, em Altamira, revelou as consequências de um empreendimento destrutivo para a economia, para o meio ambiente e para os modos de vida das populações amazônicas. Belo Monte é o retrato do racismo ambiental operado para negar e, literalmente, matar pessoas negras, indígenas, caboclas, ribeirinhas e integradas ao ecossistema amazônico.” aponta Paiva.

A missão foi realizada com o apoio do Movimento Negro, Movimento Xingu Vivo Para Sempre, do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública do Estado e da Defensoria Pública da União. A agenda incluiu coletiva de imprensa, reuniões com autoridades públicas, visita ao Centro de Recuperação Regional de Altamira (CRRALT) e à carceragem da Delegacia da 11ª Região Integrada de Segurança Pública (RISP) Xingu, bem como encontros com famílias do RUC Água Azul e do bairro Jardim Independente I – Bairro da Lagoa e, por fim, uma audiência pública encerrou a agenda dos relatores no RUC Jatobá.

Nos próximos meses, será publicado o Relatório da Missão Emergencial sobre Genocídio Negro e Racismo nas Unidades Prisionais e RUCs em Altamira (PA). A publicação deve apontar as denúncias das violações de direitos humanos averiguadas na região, bem como recomendações aos poderes públicos locais, estadual e nacional.

29 DE JULHO: O MASSACRE ANUNCIADO E SEUS DESDOBRAMENTOS
Em julho de 2019, o Centro de Recuperação Regional de Altamira (CRRALT) foi palco de um dos maiores massacres em presídios da história do Brasil. Sessenta e duas pessoas morreram na ocasião. Em uma disputa de poder entre facções, as vítimas eram, em sua maioria, homens negros que representaram 53 mortes entre todas registradas. Foram cinco horas de assassinatos, entre corpos decapitados e queimados. 

Em diálogo com diversas pessoas, a Relatoria de Direitos Humanos averiguou que o massacre havia sido anunciado muito antes de acontecer. Relatos apontam o clima que se configurava na cidade por conta da disputa de poder pelo tráfico de drogas entre os grupos. No entanto, nada foi feito para impedir que as mais de 60 vidas fossem encerradas.

Grupo da Missão Emergencial em visita ao Centro de Recuperação Regional de Altamira – Foto: SUSIPE – Comunicação

O horror, porém, não se restringiu às horas do massacre. Os Relatores de Direitos Humanos ouviram as histórias de familiares dos mortos. O cheiro de queimado que ainda toma conta da região é um marco. O processo de identificação dos corpos  junto aos familiares dos presos violou uma série de direitos humanos. Famílias ainda não conseguiram enterrar seus entes, pois, segundo o que se verificou, alguns corpos estavam com cabeças trocadas. 

Os relatores apuraram, ainda, que houve uma mudança nos procedimentos disciplinares do Centro de Recuperação. Visitas familiares tiveram redução significativa de horas ou foram suspensas, por exemplo. A Força-tarefa de Intervenção Penitenciária – FTIP passou a atuar um dia após o massacre, a princípio, por 30 dias. No entanto, o grupo de intervenção trabalha juntamente com os agentes penitenciários há mais de três meses. 

Dias após o massacre, oito presos foram transferidos para Belém (PA). A Relatoria averiguou que, antes da transferência, os detentos passaram um dia na carceragem de Altamira, em condições desconhecidas. Durante o traslado, porém, quatro dos homens morreram, segundo reportagens, por sufocamento. A Relatoria verificou que há um temor muito grande dos presos que sobreviveram ao massacre e foram transferidos para Belém. Segundo integrante da Plataforma Dhesca, Benilda Brito, “Eles estão sendo muito ameaçados. E o que as mulheres, as famílias, as irmãs mais desejam é conseguir trazê-los de volta, porque, assim, estarão mais perto da família e é possível fazer um monitoramento mais próximo.”.

O Relator Luiz Fabio alerta sobre a dinâmica que se configurou para que o massacre acontecesse. “Houve um processo de ‘faccionalização’ do crime que foi alimentado por políticas racistas de encarceramento em massa. Pessoas com participação subalterna em esquemas de tráfico de drogas foram presas e foram envolvidas em compromissos diversos em uma dinâmica de guerra pelo controle do crime no Pará. O Estado, por ação deliberada e omissão, retro-alimentou o processo, tornando as prisões do Pará um espaço conflituoso de acertos de contas entre grupos faccionados. Assim, é possível afirmar que o massacre de julho, na prisão de Altamira, é uma das muitas consequências de uma lógica neoliberal e racista que promoveu o derramamento de sangue.”, conclui o relator.

VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NOS RUC’S
Os Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUCs), criados para abrigar as famílias desalojadas pela construção de Belo Monte há quase uma década, ainda são marcados pela falta de infraestrutura e de serviços básicos como de saúde e fornecimento de água, além de serem territórios traumatizados pela violência, principalmente, contra jovens negros. 

A Missão Emergencial sobre Genocídio Negro e Racismo nas Unidades Prisionais e RUCs em Altamira (PA) realizou uma visita ao Jardim Independente I (Bairro da Lagoa), ao RUC Água Azul e, por meio da audiência pública, foi ao RUC Jatobá. As constatações são de regiões cujos serviços básicos de saúde e educação, por exemplo, estão precários e são quase inexistentes.

Jardim Independente I (Bairro da Lagoa) é um bairro que não foi considerado na realocação para os RUC’s. A região sofre com as consequências de mudança de curso do Rio Xingu. A vulnerabilidade é extrema e as casas são inabitáveis. A visita da Plataforma Dhesca à região foi solicitada pelo Ministério Público Federal como forma de denunciar as condições subumanas da população local.

No Jd. Independente I – Bairro da Lagoa, casa alagada com a mudança do curso do Rio Xingu por causa da Usina de Belo Monte – Foto: Divulgação

O momento no RUC Água Azul também foi de escuta às famílias. Na ocasião, a Relatoria Nacional de Direitos Humanos pôde ouvir quais foram as consequências da instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte na vida das pessoas que foram expulsas de suas casas e tiveram seus modos de vida profundamente impactados. 

A missão da Plataforma Dhesca se encerrou com uma audiência pública no RUC Jatobá. Os Relatores Nacionais de Direitos Humanos receberam relatos de jovens que participam de um projeto na região. As denúncias são várias: falta de abastecimento de água, estrutura precária das escolas, falta de perspectiva na conclusão dos estudos, negação do direito à cultura e lazer, violência contra jovens negros e precariedade de transporte público. 

A Audiência Pública possibilitou também que os jovens apresentassem proposições aos órgãos públicos presentes, que assinaram um termo de compromisso com as políticas públicas sociais contra o extermínio e violência de crianças, adolescentes e juventudes. 

RELATÓRIO DA MISSÃO
Nos próximos meses, será publicado o Relatório da Missão Emergencial sobre Genocídio Negro e Racismo nas Unidades Prisionais e RUCs em Altamira (PA). A publicação deve apontar as denúncias das violações de direitos humanos averiguadas na região, com recomendações a fim de garantir que as pessoas, cujos direitos constitucionais estão sendo violados, possam viver com condições dignas. 

Além disso, o Relatório servirá de importante ferramenta para cobrar ações do Estado brasileiro – em suas esferas municipal, estadual e federal – a respeito dessas violações, bem como será instrumento para dar visibilidade à realidade de Altamira em organismos nacionais e internacionais de direitos humanos.