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Teto de gastos deixou o Brasil com baixa imunidade para enfrentar a pandemia, diz estudo

Estudo de análise do orçamento público mostra que as medidas de austeridade fiscal e a aprovação da Emenda Constitucional 95 reduziram as políticas sociais necessárias para proteger a população mais vulnerável da atual pandemia.

Um estudo divulgado hoje pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) revela como as medidas de austeridade fiscal e a aprovação da Emenda Constitucional 95 reduziram as políticas sociais necessárias para proteger a população mais vulnerável da atual pandemia.

Intitulado O Brasil com baixa imunidade – Balanço do Orçamentário Geral da União 2019, o relatório mostra que, de 2014 até o ano 2019, o constante esforço fiscal da União resultou em cortes de 28,9% nas despesas discricionárias dos programas sociais do País. Só no período entre 2018 e 2019, a queda de orçamento nas áreas sociais chegou a 8,6%.

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O setor da saúde, que sofre uma histórica insuficiência de recursos para o Sistema Único de Saúde (SUS), não teve aumento orçamentário em 2019 em relação ao ano anterior, mantendo um valor semelhante aos patamares de 2014. A população brasileira, entretanto, aumentou em 7 milhões nesse período.  O investimento per capita, portanto, foi profundamente reduzido.

“O Brasil está visivelmente fragilizado para enfrentar os desafios trazidos pela pandemia”, afirma Livi Gerbase, assessora política do Inesc.

Pexels/Divulgação

Além da função saúde, a publicação avaliou a execução, em 2019, do orçamento da União (OGU) de outros sete conjuntos de políticas públicas: educação, direito à cidade, socioambiental, criança e adolescente, igualdade racial, mulheres e povos indígenas.

Especialista em Justiça Fiscal, Livi avalia que embora a crise da Covid-19 tenha origem na saúde, seus efeitos se estendem por todas as áreas. O isolamento da população paralisou a atividade produtiva. Isso vai gerar uma profunda recessão, aumento no desemprego e piora nas desigualdades sociais.

“Num País onde os pobres, negros, mulheres e indígenas são sempre os mais penalizados, a pandemia da Covid-19 vai tornar tudo ainda mais difícil para essa grande parcela da população”, sentencia Livi.

O estudo do Inesc conclui que a contenção das despesas visando apenas um objetivo fiscal tem um preço muito alto, sobretudo para os grupos mais vulneráveis que arcam de maneira desproporcional com a conta. Em contrapartida, o governo federal comemorou a redução do déficit primário entre 2018 e 2019, que saiu de 1,8% do PIB para 1% ou R$ 95,1 bilhões. O número em grande parte foi causado pelos altos contingenciamentos do governo no ano passado, que só foram revogados no final do ano, impedindo a execução dos gastos.

“Para além de uma análise fria dos números, buscamos saber se as políticas públicas e seus respectivos orçamentos estão a serviço do bem estar das pessoas, principalmente das que mais precisam, e não somente para proteger a dívida pública, muitas vezes enriquecendo setores econômicos já bastante privilegiados”, declara a assessora do Inesc.

Segundo ela, este é o primeiro relatório de uma série que será publicada anualmente pelo Inesc, com o intuito de acompanhar os gastos federais com as despesas para a promoção de direitos humanos. A Metodologia Orçamento & Direitos, usada no documento, submete a análise orçamentária a um “teste de direitos humanos”, tendo como base cinco requisitos ou pilares: financiamento com justiça fiscal, mobilização máxima de recursos disponíveis, realização progressiva dos direitos, não discriminação e participação social.

Baixe o relatório na íntegra aqui

Diante da recessão que está por vir, o Inesc, entidade filiada à Plataforma Dhesca, recomenda:

  • a revogação da Emenda Constitucional 95 em caráter definitivo.
  • a manutenção dos empregos e salários, com políticas de proteção aos informais.
  • a recomposição dos orçamentos do Sistema Único de Saúde (SUS).
  • o fortalecimento de órgãos ambientais de fiscalização, visando crescimento sustentável.
  • a reforma tributária com taxação de lucros e dividendos e contribuição mais justa para impedir que os super-ricos (que ganham mais de 320 salários mínimos) continuem pagando menos de 2% de alíquota efetiva do Imposto de Renda (IR).
  • a aprovação, em caráter de urgência, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos profissionais da Educação (Fundeb).
  • a transparência quanto ao balanço das atividades de combate à Covid-19, explicitando o detalhamento da execução do orçamento para a área.

Austeridade no contexto de pandemia

No mês de março (17/03), um grupo de entidades de direitos humanos, entre as quais a Plataforma Dhesca, entrou com uma petição no Supremo Tribunal Federal pela suspensão imediata da EC 95.  No documento, as organizações alegam que a pandemia chega ao país em um contexto de extrema fragilização das políticas sociais e de aumento da pobreza da população, e que seus efeitos vão ultrapassar 2020.

No início de abril (13/04), as organizações lançaram um alerta sobre a absurda priorização do mercado em detrimento dos investimentos sociais na PEC do Orçamento de Guerra,  que está em tramitação no Congresso.

As entidades enviaram também, na semana passada (17/04) um comunicado conjunto a relatores da Organização das Nações Unidas (ONU) e a comissionados da Organização dos Estados Americanos (OEA), chamando atenção para o risco de manter em vigor a EC95 no contexto da pandemia. O documento apresenta detalhes sobre os problemas causados pela emenda e solicita que relatores recomendem ao Brasil a sua revogação.