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Valor | Saneamento cria novo impasse na construção da usina de Belo Monte

Um verdadeiro jogo de empurra tomou conta das obras compensatórias de Belo Monte, a megausina que está sendo construída no rio Xingu, no Pará.

A polêmica envolve a entrega da rede de saneamento básico que tem de ser construída em Altamira e nos demais municípios impactados pela usina. Desta vez, os problemas não se limitam aos atrasos nas obras de saneamento, que já deveriam estar prontas há mais de dois anos. A questão agora é definir quem, afinal de contas, concluirá as instalações da rede de água e esgoto.

O desentendimento é total entre o consórcio Norte Energia, responsável pela construção da hidrelétrica, a prefeitura de Altamira e a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa). O consórcio garante que as obrigações incluídas no processo de licenciamento da obra são claras: até julho, a empresa quer instalar 220 km de rede esgoto e 170 km de tubulações de água potável em Altamira, município mais atingido pela obra, além de outras redes menores em construção em municípios vizinhos. Hoje, Altamira não possui rede de esgoto e apenas 14% de sua área tem água potável. O problema é que as ações da Norte Energia limitam-se às redes centrais de saneamento, ou seja, suas tubulações passam pelas ruas, mas não acessam as cerca de 60 mil residências da região. “É o nosso compromisso, o que foi assumido em contrato”, diz Marcelo Dias, superintendente das obras da Norte Energia.

A prefeitura, no entanto, tem outra interpretação. “Não podemos assumir isso. Não causamos essa situação, mas sim a hidrelétrica. É preciso buscar uma solução, na qual todos participem”, diz Rainério Meireles, secretário de planejamento de Altamira.

O impasse levou a Cosanpa a enviar um ofício ao Ministério Público Federal no mês passado, após tentativa frustrada de negociação com a Norte Energia. A estatal havia procurado o consórcio para alertar sobre “complementações necessárias” para o sistema de abastecimento. “Todavia, o consórcio enviou resposta à Cosanpa, eximindo-se das obrigações”, informou a estatal, em nota encaminhada ao Valor.

“A Cosanpa entende que transferir a responsabilidade das ligações intradomiciliares para a população não é uma solução razoável, já que a Norte Energia assumiu o compromisso de dotar a cidade de Altamira de sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário, como condicionantes à construção da usina de Belo Monte”, informou a estatal, acrescentando que a postura, além de desestimular as ligações dos usuários à rede de esgoto, pode levar à “adoção indevida do sistema e contaminar as águas subterrâneas”.

Há duas semanas, representantes de cada órgão tiveram uma reunião para tentar resolver o problema. Não houve solução.

“Sem o saneamento concluído, a usina não pode operar. O saneamento tornou-se imprescindível, por conta da barragem. Como é que a população vai ficar sem essa rede, se o rio foi barrado? Seria o caos”, diz Leonardo Amorim, advogado do Instituto Socioambiental (ISA). “Não há como liberar o enchimento do lago sem que isso se resolva. Se é o empreendedor que criou essa necessidade vital de saneamento, para que ele opere sua usina, então essa obrigação é dele também”, afirma o advogado.

O encanamento de esgoto previsto para ser feito pela Norte Energia, conforme suas próprias contas, chegou a 70% de execução, enquanto as tubulações de água avançaram 65%. Hoje há 32 frentes de trabalho nessas obras, em dois turnos, e a promessa de concluir o trabalho até julho está mantida. Quanto a levar a rede até as casas da população, não há acordo.

“A Norte Energia pode fazer alguma colaboração de ordem técnica com a prefeitura e a Cosanpa, mas não se envolverá em questões políticas e econômicas. A prefeitura deve fazer o que ela achar melhor e que se acerte com a Cosanpa”, diz Dias, da Norte Energia. Segundo ele, os trabalhos resumem-se ao “perímetro da cidade previamente definido”, ou seja, não são alvos os “quatro ou cinco bairros novos” surgidos em volta da usina.

A conclusão do saneamento é uma exigência para que a Norte Energia possa iniciar o enchimento da represa. O consórcio também precisa concluir o reassentamento de pelo menos 4,1 mil famílias que hoje residem em áreas que serão inundadas. A maior parte dessas famílias vive em condições precárias, sobre palafitas, na região central de Altamira.

O pacote de ações compensatórias de Belo Monte soma R$ 3,88 bilhões. Até início deste ano, o consórcio afirma ter alocado R$ 400 milhões em ações ligadas ao saneamento básico, uma rede que, segundo a companhia, terá o padrão de “modelos implantados em países com a Suécia e a Inglaterra”.

A Norte Energia tem pressa em concluir as obras para solicitar ao Ibama a licença de operação de Belo Monte. Somente assim a hidrelétrica pode iniciar o enchimento do lago. A meta é iniciar a operação da primeira das 24 turbinas da usina em fevereiro de 2015. A situação do saneamento pode comprometer o plano.

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Por André Borges para o Valor – 17/03/2014