A Relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma de Direitos Humanos-Dhesca Brasil, Dr.ª Erika Yamada, vem por meio desta expressar PREOCUPAÇÃO em relação ao crescente enfraquecimento da Fundação Nacional do Índio – FUNAI e à possibilidade de nomeação do general da reserva Roberto Peternelli (PSC) para a presidência do órgão num cenário de intensas ameaças, perseguições, violências e execuções que beiram à barbárie num Estado de Direito.
A nomeação de um militar, defensor da ditadura, sem trajetória que justifique seu perfil para assumir a presidência do órgão indigenista, e indicado por políticos e partidos declaradamente anti-indígenas constituiria um vexatório retrocesso para os direitos humanos no país. A sociedade brasileira e os povos indígenas em muitos lugares ainda se recuperam da ação brutal do Estado na ditadura e convivem com o medo de que uma nova tentativa de dizimação de suas populações se estabeleça como ordem nacional. Portanto, é descabida a nomeação de defensores do regime militar ditatorial em qualquer órgão Estatal e ainda mais de direitos humanos.
Também preocupa a informação de que a Funai estaria sofrendo cortes de servidores e de recursos na mesma medida em que outros órgãos, quando ao contrário deveria estar sendo fortalecida dada a especial situação de vulnerabilidade em que se encontram os povos indígenas no que se refere à proteção de suas vidas, suas terras, suas línguas e culturas. Estes cortes acabam enfraquecendo este órgão já tão fragilizado e vai na contramão de recomendações nacionais e internacionais para que o Brasil cumpra com suas obrigações de direitos humanos e contribui diretamente para o quadro de alerta ao risco de genocídio de povos indígenas indicado pela Relatora Especial da ONU sobre Direitos Indígenas.
A Relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas apoia os servidores e as servidoras da FUNAI mobilizados, especialmente nos termos da NOTA DE REPÚDIO assinadas pelos mesmos (segue na íntegra logo abaixo).
Erika Yamada
Relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas
NOTA DE REPÚDIO DAS SERVIDORAS E SERVIDORES DA FUNAI CONTRA A INDICAÇÃO DO GENERAL DA RESERVA ROBERTO PETERNELLI (PSC) À PRESIDÊNCIA DO ÓRGÃO INDIGENISTA
Nós, servidoras e servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), manifestamos nossa profunda indignação à indicação que vem sendo noticiada do General da Reserva Roberto Peternelli (PSC) para o cargo de presidente do órgão indigenista.
Filiado ao Partido Social Cristão (PSC), integrante da bancada evangélica no Congresso Nacional, o General Peternelli, cuja indicação se dá a partir da articulação de parlamentares anti-indígenas, exalta publicamente nas redes sociais o período da ditadura civil-militar que perdurou no Brasil entre os anos de 1964 e 1985.
Nesse período, conforme o Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), pelo menos 8.350 indígenas foram mortos em decorrência da ação direta ou da omissão de agentes governamentais. O Relatório afirma que o número real de indígenas mortos no período deve ser exponencialmente maior, tendo em vista que apenas uma parcela muito restrita dos povos indígenas afetados foi analisada e que há casos em que a quantidade de mortos é alta o bastante para desencorajar estimativas. Além disso, há evidências da existência de presídios clandestinos destinados à tortura e prisão de diversos povos indígenas à época.
Durante a ditadura os governos militares implementaram um projeto de desenvolvimento integracionista que não considerava o direito dos povos indígenas à manutenção de seus modos de vida e territórios tradicionais. Como exemplos emblemáticos
dessa atuação podemos citar a construção das rodovias Transamazônica, Manaus – Boa Vista e Perimetral Norte e das usinas hidrelétricas de Tucuruí e Balbina, que impactaram profundamente a vida dos povos indígenas daquelas regiões.
Os servidores do órgão indigenista que ousaram resistir a esse projeto autoritário e violento e lutar pelos direitos dos povos indígenas sofreram demissões, ameaças e
perseguições de variadas formas.
O General Peternelli representa também os interesses da bancada evangélica que, junto à bancada ruralista, tem se mostrado contrária aos direitos dos povos indígenas e favorável à PEC 215.
Ainda mais sério é o fato de que essa decisão se dá no contexto em que o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), instância oficial de diálogo entre o Estado Brasileiro
e os Povos Indígenas, está sendo ignorado, sob ameaça de extinção.
Nós, servidoras e servidores da Funai, não vamos permitir nenhum retrocesso nos direitos dos povos indígenas e no âmbito da política indigenista. Anunciamos estado de mobilização permanente e convidamos os movimentos indígena, indigenista e todos os
apoiadores a se unirem a nós em defesa dos direitos dos povos indígenas e do fortalecimento da Funai.
General Peternelli, não passará!