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Artigo | Redução de Unidades de Conservação no Tapajós abre a floresta para o agronegócio

Na última terça-feira (20) o Governo Federal publicou no Diário Oficial da União duas Medidas Provisórias (nº 756 e 758) que alteram os limites de áreas de proteção ambiental do Pará. Anunciadas como “proteção ambiental especial” as Medidas visam, contudo, a expansão do agronegócio na região, o que na prática, significa a remoção de famílias de seu território tradicional. As justificativas e impactos dessas MPs são explicadas pelo assessor jurídico da Terra de Direitos, Pedro Martins, em artigo de opinião a seguir.

Parque Nacional do Rio Novo é uma das unidades de conservação que sofrerá alterações através de medidas provisórias

Parque Nacional do Rio Novo é uma das unidades de conservação que sofrerá alterações através de medidas provisórias 

Por Pedro Sergio Vieira Martins, assessor jurídico da Terra de Direitos

Ao contrário do que foi anunciado na última terça-feira (20), no portal do Governo Federal, a Amazônia não ganhou 230 mil hectares de áreas protegidas. Através das Medidas Provisórias (MP) nº 756 e 758 de 19 de dezembro de 2016, o governo pode abrir mais a floresta amazônica na região do Rio Tapajós, no Oeste do Estado do Pará, para expansão do agronegócio de um lado e, de outro, ameaçar o modo de vida tradicional dos povos da Amazônia em nome da conservação ambiental.

A MP nº 756 altera os limites do Parque Nacional do Rio Novo, localizado nos Municípios de Itaituba e Novo Progresso, Estado do Pará, que passa de 537.757 ha para 976.525 ha. O que foi divulgado é que a região com alto índice de desmatamento passa a ganhar proteção ambiental especial, o que em tese seria bom. No entanto, a modalidade de Unidade de Conservação “Parque Nacional”, de acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação é de Proteção Integral, o que importaria na realocação de famílias para outras áreas. Na prática, é a remoção de famílias de seu território tradicional.

Sendo impactadas diretamente, aquelas famílias deveriam ter sido consultadas sobre a edição da MP, exigindo-se estudo profundo sobre ocupação tradicional no local, inclusive a indicação pela Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre a ocupação por povos indígenas.deveriam ser consultados. No entanto, o governo optou por ouvir apenas o agronegócio.

Ainda, a Medida altera a área da Floresta Nacional do Jamanxim, que de 1.301.120 ha agora reduzida à 557.580 há, e cria a Área de Proteção Ambiental (APA) do Jamanxim com 542.309 ha. De acordo com a Lei nº 9.985/200, APA é modalidade de UC que permite a incidência de propriedades privadas, ao contrário das Florestas Nacionais.

Conforme o artigo 8º da Medida Provisória, as áreas rurais ocupadas e incidentes na Área de Proteção Ambiental do Jamanxim poderão ser regularizadas em conformidade com a Lei nº11.952/2009, que criou o Programa Terra Legal. Desde a criação, o Programa é duramente criticado por legitimar ocupações irregulares e a grilagem de terras. Fica evidente, que ao destinar terras de “FLONA” para “APA”, a Medida Provisória permite a apropriação da terra pelo mercado.

Outra Medida Provisória publicada essa semana, a MP 758/2016, altera a Área de Proteção Ambiental do Tapajós de 2.039.580 ha que agora se reduz a 1.988.445 ha. Os limites do Parque Nacional do Jamanxim, localizado nos Municípios de Itaituba e Trairão, também foram alterados pela MP 758, tendo agora tamanho maior. O que não pode passar despercebido é que não houve meramente a ampliação do PARNA Jamanxim, mas uma reformulação de seu desenho geográfico, permitindo que uma área de 862 hectares pudesse ser destinada aos leitos e às faixas de domínio da EF-170 e da BR-163.

A sigla EF-170 representa um dos projetos no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) de concessão da Ferrovia Lucas do Rio Verde/MT – Itatituba/PA (Distrito de Miritibuta), conhecida como “Ferrogrão”. Em 3 de fevereiro de 2016, foi publicado no Diário Oficial da União despacho do Ministro dos Transportes, Antonio Carlos Rodrigues, que resolveu considerar os estudos técnicos da empresa autorizada Estação da Luz Participações Ltda (EDLP) como vinculados à concessão e de utilidade para a licitação, aprovando, a título de ressarcimento, o valor nominal máximo de R$ 33.791.940,00 pelo apoio técnico da empresa à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

O traçado da Ferrogrão é de cerca de 933,7 km de extensão e se desenvolve interligando os municípios de Sinop, Claudia, Itaúba, Nova Santa Helena, Terra Nova do Norte, Peixoto de Azevedo, Matupá, Guarantã do Norte e Novo Mundo, no estado de Mato Grosso, e Novo Progresso, Trairão, Itaituba, no estado do Pará. Inclui-se ainda o Ramal Santarenzinho, entre Itaituba e Santarenzinho, distrito do município de Rurópolis/PA, com 32,3 km de extensão.

Segundo relatório do Centro de Estudo e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados, os investimentos na Ferrogrão foram estimados em aproximadamente R$ 12,6 bilhões (data base de março de 2015), incluindo terraplenagem, obras de arte correntes e drenagem, superestrutura ferroviária, obras complementares, obras de arte especiais, compensação socioambiental, desapropriação, sistemas de sinalização ferroviária e energia, equipamentos ferroviários, oficinas e instalações, canteiro de obras, engenharia e material rodante.

A edição das duas Medidas Provisórias se assemelha a MP nº 558/2012, também incidente sobre a Região do Tapajós, que alterava limites das Unidades de Conservação sob a justificativa de possibilitar a instalação de empreendimentos como usinas hidrelétricas.

Em todos os casos, as alterações de UCs por Medidas Provisórias ofendem o princípio da reserva legal inscrito no artigo 225, parágrafo 1º, inciso II da Constituição da República, o que significa que a alteração só pode ocorrer através de Lei. Portanto, as MPs são inconstitucionais. A MP 558 foi convertida na Lei nº 12.678/2012, e o Ministério Público Federal ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4717, onde a Terra de Direitos figura como Amicus Curiae. Atualmente, a ADI tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) tendo como relatora a Ministra Carmen Lúcia.

Fonte: Terra de Direitos