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Efeitos da crise e dos cortes orçamentários na saúde do Paraná: anotações preliminares

Em artigo apresentado na oficina da Campanha Direitos Valem Mais em Curitiba, a socióloga e sanitarista Ligia Cardieri reflete sobre a relação entre a Emenda de “teto dos gastos” e a política pública na área da saúde.

Em artigo apresentado na oficina da Campanha Direitos Valem Mais em Curitiba, a socióloga e sanitarista Ligia Cardieri reflete sobre a relação entre a Emenda de “teto dos gastos” e a saúde.

Foto Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Durante a oficina da Campanha Direitos Valem Mais, realizada na capital paranaense no dia 25 de agosto, as/os participantes foram provocadas/os a relatarem como a implementação da Emenda Constitucional 95/2016 impacta as diferentes áreas sociais. A medida que determina o congelamento do orçamento público por vinte anos para áreas como saúde e educação, condicionado apenas à variação da inflação anual. Como representação da Rede Feminista de Saúde e Sindicato dos servidores estaduais da saúde do Paraná (SindSaude), a socióloga e sanitarista Lídia Cardieri* apresenta dados do cenário paranaense para a área da saúde.

Confira abaixo a análise.

 

Como já consta na Constituição Federal, a saúde de uma população sofre impacto direto de vários determinantes sociais. Assim, todas as dimensões mais gerais da crise – como o desemprego de milhões, o achatamento salarial, a concentração de renda, a redução nos investimentos e no custeio para manutenção de equipamentos e serviços públicos (creches, escolas, bolsas de estudo e pesquisa, CREAS e CREAS, além de outros) – afetam profundamente as condições de vida e a saúde física e mental de milhões de brasileiras e brasileiros.

A demonstração completa desses danos sobre as taxas de morbi-mortalidade – por região, por faixa etária e sexo – só estará disponível dentro de alguns anos, mas os meios de comunicação já noticiam um aumento na mortalidade infantil e materna, a queda na aplicação das vacinas essenciais à proteção contra inúmeras doenças infecto-contagiosas, o aumento de casos de doenças infecciosas antes controladas, como o sarampo, como impactos da Emenda 95.

Mais fácil de perceber e elencar é a redução ou fechamento de serviços na rede do Sistema Único de Saúde (SUS), como o descredenciamento de centenas de farmácias populares e a alteração na configuração de vários modelos de serviço que representaram avanços importantes nas últimas décadas, como a estratégia de Saúde da Família na atenção básica e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em substituição à hospitalização para pessoas com sofrimento mental e/ou dependência química.

Importante que estejamos atentos para registrar todos os retrocessos que ocorram em nossos municípios, denunciando e reagindo contra esse desmonte do SUS. O desafio é intensificar nossos espaços de luta, reativando os fóruns populares de saúde (FOPS) que se fragilizaram ou deixaram de atuar nos últimos anos.  Não basta estar presente em conselhos e conferências, pois os gestores do golpe vêm há muito dificultando a atuação dos movimentos populares e sindicais mais combativos.

SUS Nacional: do texto dos Médicos pela Democracia*, apresentado recentemente em seminário da FNCPS no Ceará, destaco as seguintes medidas de desconstrução do SUS já implantadas pelo Ministério da Saúde/governo federal após o golpe de 2016:

  1. Alteração na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB): (set/2017) – redução no número de agentes comunitário de saúde exigidos por área e equipe, explicitando que devem atuar com foco na população mais vulnerável;
  2. Alteração na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS): rede de atenção psicossocial (Portaria 3.588, de dezembro de 2017) – voltando-se a incentivar os hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas, em detrimento dos CAPS e outros equipamentos ambulatoriais;
  3. Financiamento flexível do Ministério da Saúde para estados e municípios: a partir de dezembro de 2017. As transferências do Fundo Nacional da Saúde (FNS) para os fundos estaduais e municipais se tornaram mais flexíveis, permitindo que os gestores deixem de aplicar em programas essenciais de promoção e prevenção (como AB/ESF, agentes comunitários da saúde, CAPS) e desloquem o recurso financeiro para serviços privados/contratados nas áreas de consultas e exames de especialidades.

O documento referido também aponta para as frequentes discussões, estimuladas pelo ex-ministro Ricardo Barros (PP) e noticiadas na grande imprensa, sobre a necessidade de implantar os Planos Populares de Saúde, ou mesmo a criação de um Novo Sistema de Saúde.

O texto afirma que o maior golpe contra o SUS vem, sem dúvida, da Emenda Constitucional 95, que congelou o orçamento federal por 20 anos. Além de enormes danos para a educação e outras políticas públicas, essa Emenda retirou as bases essenciais de financiamento do SUS criado em 1988. O SUS pôde ser implantado nesses 27 anos, e significou um enorme benefício para toda a população brasileira, embora não tenha se ampliado e consolidado de forma adequada  (universal, integral e de qualidade)  pela falta de suporte financeiro necessário.

Dados da proposta orçamentária federal para 2019 mostram que a saúde vai receber no próximo ano R$117 bilhões de reais, o que significa R$ 600 milhões de reais a menos do que o valor orçado para 2018. Se não existisse a Emenda Constitucional 95, o valor destinado à saúde seria de R$ 10 bilhões a mais. (Análise realizada pela assessoria do PT no Senado)

Situação do SUS no Paraná: um quadro a ser construído.
Destaco a intervenção da Secretaria da Saúde do Estado do Paraná (SESA) para desmontar o Comitê Estadual de Prevenção à Morte Materna (CEPMM), com uma resolução autoritária em abril de 2017, que alterou sua composição e funções, retirando seu caráter de instância analítica dos óbitos maternos, com presença de forte controle social. Ao longo de 12 meses contestamos e buscamos alternativas, com recurso ao Ministério Público Estadual, mas sem êxito. Um Comitê esvaziado de poder técnico e político foi instituído e empossado pela SESA há cerca de um mês. Não temos segurança de que os dados de mortalidade materna no Paraná mereçam a confiabilidade que tiveram por mais de 25 anos.

Outra questão é a falta de reajuste salarial há 3 anos para os servidores da saúde e outros do Poder Executivo, que acumulam uma perda salarial de 14% desde 2015, quando ocorreu o último reajuste.  Com aprovação de lei estadual que criou a Fundação Estatal de Atenção em Saúde do Estado do Paraná (FUNEAS) – regida por seu estatuto e pela Lei Estadual nº 17.959, de 11 de março de 2014, vários hospitais passaram a ser geridos de forma terceirizada, com ausência de controle social sobre o uso dos recursos públicos transferidos e denúncias de várias irregularidades.

Saúde em Curitiba: Por enquanto, temos alguns dados a mais sobre a realidade de Curitiba, conforme segue:

a) A gestão municipal, ao assumir em 2017, fechou serviços especializados de Assistência Social no atendimento à população em situação de rua;

b) aprovou fechamento de 7 Centros de Referência de Assistência Social  (CRAS). Veja em: http://www.cresspr.org.br/site/cmas-aprova-fechamento-de-sete-cras-e-quatro-unidades-de-atendimento/;

c) a gestão da Prefeitura Municipal de Curitiba também está encerrando a Estratégia Saúde da Família (ESF) em várias unidades de saúde, contrariando os interesses da população local, sob a justificativa de praticar a equidade no SUS;

d) Um Projeto de lei da atual gestão permite a terceirização da saúde e educação, e foi aprovado pela Câmara de vereadores, sob intenso protesto dos servidores;

e) Terceirização da UPA na região da CIC, com alegada economia de recursos.

Além das reuniões da Frente Regional Contra a Privatização do SUS (FPCPS), que existe há uns 2 anos em Curitiba, tendo realizado um seminário estadual em novembro de 2017, está em fase de rearticulação o Fórum Popular de Saúde do Paraná (FOPS) em Curitiba que deverá se somar ao conjunto de lutas necessárias para enfrentar esses retrocessos e revogar a Emenda Constitucional 95.

*Ligia Cardieri é socióloga e sanitarista. Servidora pública aposentada da SESA/PR, foi secretária municipal de saúde da Lapa/PR de 2013-2016. Integra a base do Sindsaúde/PR e a Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos-RFS/PR.

 

Anexo: Trecho da Nota da ABRASCO sobre a queda na cobertura vacinal:

“A redução das coberturas vacinais do calendário infantil, entre 2015 e 2017 dão a dimensão do problema. Segundo dados do Ministério da Saúde/PNI a vacinação contra a Poliomielite caiu de 98,3% para 79,5%; Rotavírus de 95,4% para 77,8%; Pentavalente de 96,3% para 79,2%; Hepatite B ao nascer (<1 mês de idade) de 90,9% para 82,5%; Meningococo C de 98,2% para 81,3%; Pneumocócica de 94,2% para 86,3% e; 1ª dose de tríplice viral de 96,1% para 86,7%.

A situação é complexa e muitos fatores relacionados entre si contribuem para a queda da cobertura vacinal: contexto político e econômico de muita fragilidade; falsa sensação de segurança pois muitas doenças imunopreveníveis já não ocorriam devido ao sucesso do PNI; crescente movimento anti-vacinas, inclusive com divulgação de informações falsas sobre ausência de efetividade das vacinas e sobre eventos adversos inexistentes; questões operacionais atuais na rede de serviços do SUS.

No entanto a crise de financiamento e a piora dos serviços do SUS, têm hoje papel determinante na limitação do acesso à vacinação. A falta e alta rotatividade de profissionais, a estagnação das equipes de Estratégia de Saúde da Família, más condições de trabalho que dificultam ações de vigilância, como a busca ativa e investigação epidemiológica e desabastecimento de vacinas na rede pública.

Texto citado: “ O DESMONTE DO SUS PELO GOLPE: A SAÚDE DO POVO BRASILEIRO SOB GRAVE RISCO- por Médicos pela Democracia e Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares