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Escuta Popular: Letalidade Policial e seus impactos nas Infâncias Negras

(Foto: Samuel Tosta / Ibase)

A plataforma Dhesca em parceria com o Ibase e a Justiça Global, reuniu, no último dia 20, mães e familiares de vítimas da violência do Estado para uma escuta popular sobre as vidas e as histórias de dor e de luta enfrentadas por eles. Além de dar voz, o encontro teve como objetivo desenvolver estratégias para lidar com as ações violentas e refletir sobre os impactos desta realidade nas infâncias negras. Quando as violações de direitos humanos recaem sobre o grupo que possui as mesmas características raciais, sistematicamente, não se trata de coincidência, e sim de um processo genocida.

Ana Paula de Oliveira, uma das criadoras do coletivo Mães de Manguinhos, teve seu filho Johnatha assassinado por um policial militar há dez anos no Rio de Janeiro. Presente no encontro, ela destaca a importância da possibilidade de contar sua história, assim como a de outras famílias.

-Toda vez que a gente fala a gente revive a dor da perda. Desde quando tivemos nossos filhos assassinados a gente segue numa luta constante em busca da verdade, da justiça, mas, acima de tudo, é uma luta pela vida. E essa precisa ser uma luta de toda uma sociedade, daí a importância desse momento.

Em 2023, 25 crianças foram baleadas na região metropolitana do Rio de Janeiro. Dez delas morreram. Em vários casos, a polícia foi autora dos disparos. A Plataforma Futuro Exterminado, do Instituto Fogo Cruzado, contou 601 crianças e adolescentes baleados na Grande Rio entre 2016 e 2023. Quase metade dos casos (48%) ocorreu durante operações policiais.

-O Ibase vai cuidar, junto com a Justiça Global e a Plataforma Dhesca, dos desdobramentos desse encontro no Rio de Janeiro. Esse não vai ser um ato em vão. Estamos juntas e juntos, a serviço da garantia de direitos. – destacou Rita Correa Brandão, diretora do Ibase e integrante da Executiva da Plataforma Dhesca.


Rita Corrêa Brandão, diretora do Ibase, em conversa com mães e familiares de vitimas da violência do Estado no Rio de Janeiro. (Foto: Samuel Tosta / Ibase)

-Os racismos cotidianos assolam e ceifam vidas negras desde a infância e perpetuam ao longo da vida. É inadmissível persistir com essa forma de violência. Um ditado africano afirma que ‘a pessoa só morre quando ela é esquecida’, e não permitiremos que isso aconteça, como nossos irmãos e irmãs que partiram de forma tão truculenta pelo Estado. A violência acompanha do útero ao cárcere, com falta de políticas para a primeira infância, silenciamento na educação básica, falta de lazer e com o não direito aos sonhos de nossa população preta. A cada 16 minutos, um jovem negro é vítima de assassinato no Brasil; nossos jovens deveriam estar estudando, fazendo seus planos para o futuro mas nesse momento estão participando do enterro de algum amigo ou familiar. Almejamos um futuro afrofuturista com nossos pares, um futuro ancestral cercado de sonhos, possibilidades e vida. -destacou Benilda Brito, do coletivo Nzinga e da Executiva da Plataforma Dhesca.
Benilda Brito, executica da Plataforma Dhesca, em conversa com mães e familiares de vitimas da violência do Estado no Rio de Janeiro. (Foto: Samuel Tosta / Ibase)

Carta Compromisso

A Escuta Popular terminou com a leitura de uma Carta Compromisso com as famílias vítimas de violência do Estado, que deverá ser entregue às autoridades cariocas e fluminenses.

Nela, as organizações e famílias que assinam o manifesto pedem, por exemplo, o efetivo controle externo de todas as operações policiais nas favelas; o fim do uso do “caveirão” e do helicóptero da Core em operações; a proibição da utilização de qualquer equipamento educacional ou de saúde como base operacional das polícias Civil e Militar; e a presença obrigatória de socorristas e ambulâncias nas operações, em quantidade suficiente à extensão da operação.

A carta afirma ainda que “quando repetidas violações de direitos humanos recaem sobre o grupo que possui as mesmas características raciais repetidas vezes, não se trata de coincidência, e sim de um processo genocida”.

Além de representantes do Ibase, da Plataforma Dhesca e da Justiça Global, estiveram presentes Deputado Estadual Professor Josemar, a vereadora presidente da Comissão dos Direitos da Criança e Adolescente Thais Ferreira, a deputada estadual Renata Souza, as vereadoras Monica Cunha e Luciana Boiteux, o Fórum Grita Baixada, Cedeca-RJ, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão-MPF, Defensoria Pública do Estado, Secretaria de Mulheres do PT, Coletivo de Mulheres Cuidando Movimentando, o coletivo Criola e a Ouvidoria Externa de Defensoria Pública.

Basta de silêncio diante do genocídio que segue nossa população negra, pobre e periférica, desde o principio da história desse país. Somos mais do que estatísticas nos relatórios de letalidade policial. Somos frutos de uma resistência ancestral, fazemos parte de uma luta incansável por direitos humanos. Não podemos mais tolerar uma realidade onde nossos jovens são ceifados desde a primeira infância, onde cada batida policial é um risco de vida para nossos pares.

Nossa escuta é parte de um levante de mães, pais, familiares e toda a sociedade civil, em um grito de resistência. Nossas crianças merecem crescer em um ambiente seguro, onde possam sonhar, estudar e realizar seus sonhos sem medo de serem alvo da violência do estado.

Não descansaremos até que cada vida importe de verdade, independente da cor da pele, e que o sangue dos nossos mortos não tenham sido derramados em vão. A Plataforma Dhesca, o Ibase e a Justiça Global lutaremos incansavelmente, até que os direitos humanos de todos sejam respeitados.

LEIA NA ÍNTEGRA: Carta Compromisso- Escuta Popular