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Avaliação da Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas sobre a I Conferência Nacional de Política Indigenista

A Relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas, Erika Yamada, avalia a I Conferência Nacional de Política Indigenista, que está sendo realizada em Brasília deste a última terça-feira (15) e termina nesta quinta (17).

Saiba mais sobre a Conferência: www.conferenciaindigenista.funai.gov.br/

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I Conferência Nacional de Política Indigenista
Avaliação da Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas

A Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil parabeniza o Governo Brasileiro, os Representantes Indígenas, a Funai e a Comissão Organizadora pela realização da I Conferência Nacional de Política Indigenista.

A Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil parabeniza o Governo Brasileiro, os Representantes Indígenas, a Funai e a Comissão Organizadora pela realização da I Conferência Nacional de Política Indigenista.

O esforço de trazer para a Etapa Nacional quase 1500 representantes indígenas de todo o país expressa a complexidade do tratamento respeitoso a ser dedicado aos mais de 305 povos indígenas que falam suas próprias línguas e vivem de acordo com seus modos e tradições nas mais distintas regiões do país. A Relatora nota que algumas delegações não conseguiram chegar a Brasília, apesar de terem participado ativamente das etapas locais e regionais. Recomenda que a riqueza das propostas construídas nas mais de 160 etapas prévias seja de fato considerada. Que os encaminhamentos finais para a elaboração de diretrizes, também regionalizadas, busquem o fortalecimento e aperfeiçoamento das políticas públicas para os povos indígenas.

É exatamente a atenção à diversidade e às especificidades dos povos indígenas que ainda se ressalta como um desafio para as políticas voltadas aos povos indígenas, seja em contexto urbano, em terras indígenas regularizadas ou não, ou em áreas de retomadas. Os 6 eixos temáticos da Conferência Nacional de Política Indigenista revelam a interdependência dos direitos fundamentais resguardados aos povos indígenas, e que exigem uma visão mais coesa do Governo brasileiro na implementação das políticas específicas, setoriais e transversais.

Os Eixos da I Conferência Nacional de Política Indigenista trataram: da garantia dos direitos territoriais e de proteção dos recursos naturais para a sustentabilidade dos povos; do respeito à autonomia, à memória e à verdade; da necessidade de efetivação de diálogos e consulta frente a projetos que impactam povos e terras indígenas; e da implementação de políticas de saúde, educação, assistência social e outras efetivamente diferenciadas e específicas. É necessário que as políticas públicas não imponham valores e práticas que desrespeitem a autonomia e as vontades dos povos, ou que provoquem a desestruturação das formas próprias de organização social dos povos e comunidades indígenas. Assim, as prioridades de diretrizes discutidas no âmbito de todas as etapas da Conferência devem ser observadas por todos os órgãos públicos.

Nesse sentido, a Relatora cumprimenta a presença de representantes de diversos Ministérios, não apenas nesta Conferência Nacional de Política Indigenista, mas também como atores chaves na defesa dos direitos indígenas, a exemplo do Ministério da Cultura e do Ministério das Relações Exteriores. Chama a atenção para que a Conferência não seja usada ilegitimamente para aprovar propostas que não tenham sido discutidas e aprovadas de maneira informada e esclarecida, como no caso da proposta de implantação do Instituto Nacional de Saúde Indígena que, como está, é rechaçada pelos representantes indígenas. Nota que semelhante preocupação surgiu também com relação à possibilidade dos resultados da conferência legitimarem ações não pactuadas com os povos indígenas, como por exemplo uma regulamentação do direito de consulta livre, prévia e informada. É necessário que tais processos sejam acordados previamente com os povos indígenas em consultas efetivas.

Ainda sobre a participação governamental, a Relatora observa a importância de que outros ministérios se aproximem da pauta indígena, fundamentalmente o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos também tendo em vista a Conferência Nacional de Direitos Humanos em 2016 e considerando que em todo o documento base da I Conferência Nacional de Política Indigenista há menções ao Programa Nacional de Direitos Humanos-PNDH3.

Uma contribuição mais coesa e interinstitucional do Governo Federal também deverá ser observada no espaço do Conselho Nacional de Política Indigenista, anunciado pela Presidente da República. A criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, com caráter consultivo e deliberativo, atende a uma reivindicação antiga do movimento indígena. Desde a constituinte de 1988, os povos indígenas exigem que sejam institucionalizados espaços de participação diferenciados para povos indígenas, ademais de legislações específicas que permitam fazer cumprir o respeito aos direitos dos povos indígenas sob os paradigmas constitucionais de respeito aos direitos humanos. Assim ocorreu por exemplo, ainda no início dos anos 1990, no caso da leis que estabeleceram o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e o Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (1991), seguido por tantos outros conselhos nacionais já consolidados há décadas.

Portanto – ainda que tardiamente, e num contexto de tantas ameaças de retrocessos formais e materiais contra os direitos constitucionais dos povos indígenas – a Relatora parabeniza a notícia de criação do Conselho Nacional de Política Indigenista em 2015. Nota que, para seu bom funcionamento, devem ser garantidos recursos financeiros que permitam a participação regionalizada dos representantes indígenas e o alcance efetivo e contínuo de suas bases. Espera-se que seja possível conceber modelos diferenciados de funcionamento do Conselho para atender a especificidade dos povos indígenas, bem como para fortalecer os trabalhos da Funai nas regiões, particularmente com a efetiva implantação de todos Comitês Regionais da Funai previstos desde 2010. A Relatora entende que a partir de uma estrutura adequada de diálogo e participação funcionando, e com diretrizes estabelecidas, será possível começar a delinear estruturas sistêmicas de elaboração, execução e monitoramento de políticas públicas com respeito à autonomia dos povos indígenas.

A presença de Dilma Rousseff elevou as expectativas de que a I Conferência Nacional de Política Indigenista seja efetivamente um marco de transformação da relação ainda colonialista do Estado com os povos e as terras indígenas. De acordo com o Documento Base da Conferência (p.4): “A perspectiva de descolonização do saber e do poder significa reconhecer que o pensamento tradicional dos povos originários têm o mesmo grau de importância que o conhecimento ocidental; reconhecer que os povos indígenas têm autonomia para decidir sobre os desafios do presente e seus projetos de futuro e, com base nesses pressupostos, construir novas formas de relacionamento entre o Estado e os povos indígenas, em que sejam considerados seus mecanismos de gestão de vida e suas experiências de governança.”

Por isso, a fala do representante indígena Neguinho Truká simboliza como pode ser positivo e possível o diálogo direto e transparente das lideranças indígenas com a Presidente da República. O representante escolhido pelas organizações indígenas abordou a situação dos direitos indígenas no bojo daquilo que interessa não só aos indígenas mas à sociedade nacional como um todo. Mostrou que as preocupações dos povos indígenas com a desigualdade econômica e agrária, com a proteção do meio ambiente e com a falta de ética na política atrelada à prevalência de interesses privados nos espaços públicos converge com os anseios de mudança neste país já expressados por todo o povo brasileiro. Além disso, sendo uma liderança indígena da região nordeste – palco de tão frequentes violências contra as identidades e as lideranças indígenas – Neguinho Truká fez ressoar a diversidade que o Brasil deve reconhecer e respeitar.

Desse modo, espera-se que os compromissos e respostas por parte da Presidente da República dialogue efetivamente com a demanda de garantia dos direitos indígenas em todas as regiões do país. Que não seja uma fala protocolar, mas que ofereça respostas aos pontos colocados pelo representante indígena Neguinho Truká, resumidamente:

– com relação às questões fundiárias nas regiões Nordeste, Sul assim como às mortes e violências contra os povos Guarani Kaiowá e Terena no Mato Grosso do Sul relacionados à não conclusão de demarcações de terras indígenas;
– a necessidade de observância das compensações e mitigações de empreendimentos pendentes no Espírito Santo, onde 38 empreendimentos incidem sobre 18ha indígenas, e na Bahia, onde há mais de 30 anos o Povo Tuxá de Rodelas foi removido em razão do alagamento causado pela Usina de Paulo Afonso e luta para voltar a viver em terra indígena (Reserva Tuxá);
– e a especial atenção com relação à proteção de povos indígenas isolados na região Amazônica, pressionados pela chegada de empreendimentos e outras pressões que ainda refletem valores coloniais.

Adicionalmente, a Relatora chama a atenção do Governo brasileiro também para a situação da Terra Indígena Cachoeira Seca/PA afetada pelo empreendimento UHE Belo Monte e que aguarda homologação bem como medidas protetivas urgentes. E também a bastante noticiada situação da terra indígena Kawahiva do Rio Pardo/MT que aguarda portaria declaratória do Ministro da Justiça para proteção desse grupo indígena isolado.

No discurso de Neguinho Truká para a Presidente Dilma evidenciam-se as expectativas com relação às homologações anunciadas para a próxima semana, que por indicação do movimento indígena deveriam se concentrar fora da Amazônia brasileira, para contemplar as terras indígenas: Rio dos Índios/RS, Toldo Imbu/RS, Morro dos Cavalos/SC, Jaraguá/SP, Ribeirão Silveira/SP, Monte Mor/PB, Aldeia Velha/BA, Xukuru Kariri/AL, Truká/PE, dentre outras. A liderança indígena ainda pediu o fim das interferências políticas na Funai e na Sesai, que a Relatora entende que também se traduz na continuidade das demarcações de terras indígenas pela Funai e da publicação de relatórios de estudos já aprovados, como é o caso da terra indígena Sawré Muybu/PA do povo indígena Munduruku, sob pressões relativas ao empreendimento do Complexo UHE Tapajós.

De acordo com dados do site da Funai de dezembro de 2015, 67 terras indígenas aguardam homologação presidencial, 38 terras indígenas aguardam a edição de portaria declaratória pelo Ministro da Justiça e 135 terras indígenas ainda dependem de aprovação do estudo de delimitação pela Presidência da Funai, além das terras indígenas em estudo e das reservas a serem constituídas.

Por fim, o pronunciamento enfático – ainda que também tardio – da Presidente Dilma contra o Projeto de Emenda Constitucional (PEC215), que tramita desde o ano 2000 e que já foi aprovado em Comissão Especial na Câmara dos Deputados, não deixa de ser significativo. Pode ser um sinal de compromisso do Governo federal com a defesa dos direitos indígenas frente aos crescentes ataques no Congresso Nacional.

Espera-se que essa sinalização também se materialize em medidas concretas de atuação do Governo junto à sua bancada, e que dialogue com as reivindicações indígenas. Ao final da I Conferência Nacional de Política Indigenista os representantes de povos e organizações indígenas pactuaram entre si o fortalecimento da luta para fazer cumprir e respeitar seus direitos e anunciaram que aguardam medidas concretas por parte do Governo para que um verdadeiro pacto possa ser estabelecido.

A Relatora destaca a necessidade de maiores esforços por parte do Governo brasileiro para o cumprimento do dever do Estado de consultar os povos indígenas também sobre todas as medidas legislativas que afetem seus direitos, suas terras e suas vidas, como manda a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (Decreto 5051/04). Esse esforço também é necessário para evitar que projetos de leis contrários aos direitos já estabelecidos avancem por mera pressão de interesses privados, a exemplo dos projetos de leis que versam sobre mineração em terras indígenas, dos projetos que visam flexibilizar o licenciamento ambiental de grandes obras que impactam terras indígenas, além dos projetos que expressam racismo e discriminação contra os povos indígenas e seus modos de vidas diferenciados.

Nas palavras da representante indígena Sônia Guajajara, espera-se que haja uma mudança de postura do governo e que os povos indígenas passem a ser reconhecidos como uma estratégia de riqueza para o país.

 * Erika Yamada, Relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil