O Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH aprovou este mês, durante sua 64ª Reunião Ordinária, relatório intitulado “Violações de direitos humanos na mineração de Urânio”, sobre a missão realizada pelo conselho e pela Plataforma Dhesca Brasil a Santa Quitéria, no Ceará.
A missão ocorreu entre 31 de agosto e 02 de setembro deste ano para verificar eventuais violações de direitos humanos decorrentes do projeto de exploração mineral de fosfato (voltado à produção de fertilizantes e ração animal) e urânio (para enriquecimento no exterior e transformação em combustível a ser usado em usinas nucleares brasileiras, como Agra) em Santa Quitéria/CE.
Participaram da missão pelo CNDH os conselheiros Carlos Vilhena e Everaldo Patriota, a conselheira Virginia Berriel e a assessora técnica Ana Cláudia Macedo. Pela Plataforma Dhesca, participou o consultor ad hoc Guilherme Zagallo. Entidades parcerias no estado também integraram o grupo.
A missão envolveu visita in loco da área de empreendimento, na Fazenda Itataia; oitiva de povos e comunidades tradicionais atingidos, incluindo indígenas e quilombolas; audiência pública e reuniões com representantes dos Poderes Executivo e Legislativo em Fortaleza.
A Mesa Diretora do CNDH recebeu, em maio de 2022, representantes do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração – MAM, que denunciaram a aprovação do empreendimento voltado à exploração mineral por meio de explosões a céu aberto. O MAM apontou o risco de grave ameaça aos direitos humanos e socioambientais no estado do Ceará devido ao impacto no açude Edson Queiroz, às pilhas de rejeitos e aos potenciais riscos para a saúde humana e ambiental.
Presente ontem à reunião, Pedro D’Androsa, do MAM, destacou a importância da missão realizada ao estado para dar visibilidade ao empreendimento, que, segundo ele, já foi responsável por violar direitos humanos das mais de mil famílias localizada no entorno da jazida, ao não respeitar a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que prevê obrigatoriedade de consulta prévia, livre, informada e de boa-fé de pessoas atingidas. “Não somos contra a mineração, pois sabemos que ela é fundamental. Somos contra esse modelo predatório e entreguista de mineração”, afirma.
Já o diretor de Projetos Estratégicos da Presidência da República – SAE/PR e vice-presidente do Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas, Bruno Caligaris, apresentou o Plano Nacional de Fertilizantes e o papel do projeto no Ceará para aumentar a produção desses bens no país, reduzindo a dependência nacional em 5%.
Consultor designado pelo CNDH para o caso, Zagallo destacou que o próprio estudo de impacto ambiental apresentado pelo empreendedor do Projeto Santa Quitéria informa sua inviabilidade ambiental, uma vez que pelo menos oito padrões nacionais de emissão de poluentes e 10 padrões de ruído serão ultrapassados. Zagallo destaca ainda a omissão, no relatório, de riscos da dispersão de radiação e de metais pesados; da ausência da consideração do componente indígena, quilombola e de populações tradicionais; de riscos a fornecimento de água para a população, já que o projeto requer uso intensivo de água em uma região em que a população experimenta a falta dela; entre outras omissões.
O conselheiro Patriota destacou que, durante a missão, a medição de radiação feita por técnicos universitários já demonstrava níveis cinco vezes superiores ao aceitável, além de evidenciar o estresse hídrico vivido no município, localizado na Caatinga cearense. A conselheira Berriel ratificou a preocupação, ao relatar que, na escuta à população na comunidade de Morrinhos, a missão percebeu que não havia água nas torneiras ou nos banheiros, sendo a população dependente de carros-pipa. “O que se pretende em Santa Quitéria é uma grande violação aos direitos daquelas comunidades, em que muitos não foram ouvidos, outros muitos foram assediados, segundo relatos”, diz.
O conselheiro Vilhena apontou que o empreendedor do projeto considerou uma área bastante aquém daquela efetivamente atingida, desconsiderando o impacto em comunidades próximas, como o relatório da missão evidencia. Dessa forma, não houve o respeito à Convenção n. 169 da OIT. A evidente falta de água nas comunidades foi outro destaque em contraponto ao modelo de exploração: “Muito me comoveu ver as casas dotadas de captação de águas pluviais em cisterna para consumo humano. A comunidade recebe 27 ou 28 caminhões pipa por mês – e o empreendimento vai gastar isso por hora. Não me parece razoável que o empreendimento use um mar de água enquanto a população não tem um filtro de água cheio”, afirma.
Vilhena considerou ainda que representantes da empresa, presentes ontem à reunião do CNDH, não tenham se manifestado durante a audiência pública realizada em Fortaleza. “Tivemos um momento todo dedicado a ouvir – a chamada audiência pública – e o comportamento da empresa foi de absoluta indiferença com a missão, com o conselho e com a sociedade”. O presidente do CNDH, Darci Frigo, também criticou o silêncio do empreendedor na ocasião: “Vocês não têm ideia do sofrimento dessas comunidades, que querem informações dos empreendedores, mas isso lhes foi negado, manifestando a falta de democratização na gestão da empresa. Não podemos aceitar esse tipo de comportamento, pois uma democracia deve ser no campo político e também econômico”, afirma.
O vice-presidente do CNDH, Yuri Costa, ainda apontou o acesso insuficiente a informações técnicas fornecidas a pessoas atingidas. Nesse sentido, ele afirma que o relatório apresentado pelo CNDH é o maior retorno que o conselho pode dar, ao subsidiar entidades, sociedade civil e órgãos fiscalizadores, de modo a minimizar a discrepância de poderes.
Informações publicadas pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos