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A saúde indígena clama por atenção

Posição da Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil sobre a situação da saúde indígena no Brasil

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Foto: Laila Menezes/Cimi

O direito à saúde é um direito coletivo fundamental que determina o dever do Estado em proteger, promover e recuperar a saúde (bem estar físico e mental) de indivíduos e suas coletividades por meio de ações preventivas e acesso a serviços. Esse direito está consagrado na Constituição Federal brasileira e nos principais instrumentos de direitos humanos nacionais.

Preocupada com a situação do direito à vida e à saúde indígena, a Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas, da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil, chama a atenção do Estado brasileiro, e particularmente do Ministério da Saúde, da Funai/Ministério da Justiça e do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, para o fato de que, apenas nos primeiros meses de 2016, já foram circuladas pelas redes sociais denúncias e reclamações sobre:

  • a falta de atendimento, descaso e mal uso de recursos públicos para o atendimento da saúde indígena na região do Rio Negro e Yanomami no estado do Amazonas;
  • a falta de reconhecimento da autonomia e da participação indígena na gestão e controle social da saúde no estado de Roraima;
  • situações de abusos, práticas ilícitas e desrespeito com indígenas por parte de profissionais da saúde no Amapá;
  • a negação de atendimento por parte da SESAI a indígenas na região oeste do estado do Pará;
  • a precariedade de atendimento à saúde indígena e o não cumprimento de condicionantes relacionadas à saúde para prevenir e mitigar os significativos impactos esperados e já provocados por empreendimentos autorizados como a UHE Belo Monte também no Pará;
  • a morte de pelo menos uma criança indígena por desassistência do serviço de saúde no Mato Grosso do Sul;
  • a excessiva, e muitas vezes indesejada, intervenção ou prática invasiva de profissionais da saúde sem informação prévia sobre práticas indígenas (como o desincentivo ao parto humanizado na aldeia) com impactos irreversíveis na vida social indígena;
  • a necessidade de particular atenção à saúde de indígenas em situação de recente contato e a urgência na publicação da portaria conjunta SESAI e FUNAI para precauções de saúde em casos de contato com povos indígenas em isolamento voluntário;
  • a injustificada criminalização dos povos indígenas por práticas estereotipadas e em razão da distorção de dados da SESAI (como dos alegados casos de infanticídio);
  • a ausência de dados específicos publicizados sobre a saúde indígena e que orientem a ação estatal;
  • a incapacidade do Estado brasileiro otimizar a organização de logísticas complexas para o atendimento social em áreas mais remotas articulando ações e recursos de áreas afins como saúde, previdência, assistência social e educação;
  • o crescimento de casos de alcoolismo e uso de outras drogas em comunidades indígenas;
  • diversos casos de racismo institucional, alta rotatividade e falta de comprometimento de profissionais da saúde no atendimento preventivo da saúde indígena; e
  • a cooptação de lideranças e tráfico de influências no campo da gestão e do controle social da saúde indígena e em detrimento a um atendimento de qualidade; dentre outros.

Somam-se a esses casos, as denúncias e propostas apresentadas por representantes indígenas e pela sociedade civil durante as etapas locais, regionais e nacional da I Conferência Nacional de Política Indigenista para a melhoria do atendimento de saúde nas terras indígenas e nas cidades.

A Relatoria destaca especificamente o descontentamento manifestado por indígenas com relação à imposição da criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI) sem a devida consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas. Essa consulta, que exige um planejamento prévio e dialogado sobre sua realização, além de ser um direito, é fundamental para a melhor compreensão por parte do Estado brasileiro dos gargalos para a garantia de serviços de saúde indígena com qualidade, evitando-se respostas simplistas e por vezes até mais onerosas para o Estado.

A existência de inúmeros inquéritos e procedimentos instaurados pelo Ministério Público Federal em razão de irregularidades e de violação ao direito à saúde dos povos indígenas também revelam a urgência da adoção de providências eficazes para consolidar o Sub-Sistema de Atenção à Saúde Indígena, antes mesmo de efetivar quaisquer alterações drásticas a ele.

O Direito Humano à saúde está intrinsecamente vinculado ao direito à vida como pressuposto básico para fruição dos demais direitos. Esse direito ganha especial atenção no tange aos povos indígenas, posto que a ameaça a integridade individual de um indígena ameaça toda uma coletividade, vida e história de um povo.

Destacamos que no caso dos povos indígenas, o direito à saúde deve ser objeto de especial atenção e proteção por parte do Estado, considerando-se a maior situação de vulnerabilidade e riscos à doenças e epidemias. Infelizmente, o Brasil ainda figura entre os países com alarmante nível de desigualdade entre as condições de saúde de indígenas e de não-indígenas. A situação é ainda mais grave no caso de mulheres e crianças indígenas.

Por exemplo, apesar da melhoria global da condição de saúde no Brasil e do aumento substancial de recursos para a saúde indígena nos últimos anos estudo específico demonstra que que a cada mil nascidos vivos nas comunidades Yanomami ou Xavante, 141 não sobrevivem até os 05 anos de idade. De acordo com o estudo, diferentemente da taxa de mortalidade infantil para as crianças brasileiras não indígenas, no caso das crianças Xavante e Yanomami, essa taxa é comparável a países como a Somália (137)e a Nigéria (109).

A persistente discriminação contra os povos indígenas, suas culturas e seus modos de vida contribuem significativamente para esse quadro. A negação do direito territorial dos povos indígenas também é fator determinante para a exposição dos indígenas a doenças, para a restrição do acesso à água de qualidade e à alimentação adequada de muitos povos indígenas. Além disso, percebe-se um impacto pouco abordado do impacto na saúde mental indígena nas regiões onde o conflito pela terra vem resultando em ameaças, violências e mortes de indígenas. Nesse complexo contexto, a garantia do funcionamento das instâncias de participação indígena, com respeito e autonomia da representação das comunidades usuárias dos serviços de saúde, é chave para a garantia do direito à saúde com atenção às especificidades indígenas.

A Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas prevê o reconhecimento e o respeito à medicina indígena e às práticas tradicionais de saúde, bem como a participação autônoma na definição e implementação das políticas públicas de atendimento à saúde.

Desse modo, é necessário que o Estado brasileiro abra um diálogo ampliado, transparente e de boa-fé com os povos indígenas para encontrar soluções urgentes e efetivas que garantam o direito à saúde dos povos indígenas. Essas soluções passam necessariamente pela superação do preconceito e de práticas discriminatórias contra os indígenas.

Desde sua instalação, em dezembro de 2015, a Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas já teve notícias de denúncias e relatos de violações do direito à saúde dos povos indígenas ocorridas em várias regiões do país e, portanto, pretende levantar informações junto aos órgãos competentes para abordar a temática de maneira aprofundada em relatório final ainda em 2016.

Para comunicados à Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca, envie um e-mail para: povosindigenas@plataformadh.org.br